Barulho

Que o mundo anda muito barulhento não é novidade para ninguém.  Pior do que o mundo todo é o seu próprio mundo, aquele lugar onde você tenta se refugiar do barulho do mundo.  O meu mundo ultimamente tem estado assim, muito barulhento, e isso tem roubado a minha paz e tranquilidade.

Me lembro de que quando me mudei para o lugar onde moro, o silêncio foi uma dos aspectos que mais notei no lugar.  Apesar de estarmos extasiados não só com o imóvel mas também com o preço, o local em si é, como já falei algumas vezes por aqui,  cheio de facilidades ao alcance das nossas mãos.  Não há falta de comércio de espécie alguma, desde lojas de R$ 1,99 a shopping centers, sem falar na diversidade de transportes, clínicas e hospitais.  Campinho é um lugar muito bom, onde podemos ir ao mercado a pé ou escolher em qual feira ou hortifruti iremos comprar frutas e legumes.  As farmácias fazem entrega em domicílio e se precisarmos de uma pizza ou um frango na brasa, tudo se resolve a 1 ou 2 quadras.  A creche do Davi, então, fica a 20 minutos de casa.  A pé também.

Mas moramos perto de uma "comunidade". Perto até demais, por acaso.  Tão perto que qualquer barulho que se faça por lá reflete diretamente dentro do nosso apartamento.  À época da aquisição, um comentário da antiga moradora passou meio despercebido aos meus ouvidos: "o pessoal de lá gosta de uma musiquinha de vez em quando".  É um lugar tranquilo, no sentido de não ter violência, tráfico, tiroteios (senão, claro, não iríamos ficar ali!).  Porém, como estávamos... extasiados, não nos preocupamos com esse comentário.  E hoje, eu, principalmente eu, me arrependo de não ter dado a devida importância a um detalhe que tem feito toda a diferença no meu mundo que era tranquilo e silencioso.

Não há norma, limite ou... sei lá, conscientização por parte de quem coloca um barulho que vara a madrugada.  E o mais estressante é que sempre acontece nas madrugadas dos fins de semana, para meu total desespero e... desesperança.  Sim, porque quando nos mudamos a situação não era essa, passávamos noites maravilhosas, com o silêncio que é peculiar às madrugadas.  Porém, de uns tempos para cá, a coisa se tornou absurda e o que para mim era um paraíso se transformou num tormento sem fim e a vontade de me mudar fica cada vez maior.

Como já falei aqui também, morei durante grande parte da minha vida numa "comunidade", vulgo, favela, que é o nome verdadeiro.  Apesar das dificuldades típicas do lugar, não havia barulho algum e as pessoas, no geral, não costumavam ligar o som pelas madrugadas.  Pelo contrário, o que havia era uma espécie de campeonato de música, principalmente nos fins de semana, quando muita gente estava de folga e colocava seu som à potência máxima, numa competição até que engraçada, no afã de querer abafar o som do vizinho.  Roberto Carlos, Amado Batista, samba de raíz, pagode entre tantos outros estilos musicais era o que mais se tocava - até porque não havia essa porcaria de funk que existe hoje.  Era bem engraçado, porque chegava um momento em que não dava para entender nada, pois todos os sons se misturavam.  Até que, em determinada hora, já no começo da noite, todos se acalmavam, desligavam seus sons e o silêncio reinava absoluto.  Cresci acostumada com a ausência praticamente total de barulho, qualquer barulho e talvez por isso desenvolvi uma sensibilidade auditiva um pouco mais apurada.  Nesse quesito, eu era feliz e não sabia.  Hoje, vivo em pânico constante.

Existe barulho por todos os lados.  Por causa das obras da Transcarioca,  TODO o tráfego da rua principal foi desviado para a rua onde moro.  Mesmo morando nos fundos do prédio, ainda assim o som dos carros, ônibus, caminhões, betoneiras e dragas já chegam bem cedo em casa.  Até aí, paciência, pois por incrível que pareça, esse tipo de barulho não me tira do sério, talvez por eu não morar de frente para a rua, sei lá.

Mas há outros barulhos. Assim como as baratas, os carros de som se tornaram uma praga urbana e são típicos na zona norte e oeste da cidade, oferecendo os mais variados tipos de serviços e produtos.  Existe o carro de som do hortifruti e o que vende goiabada caseira e  queijo fresco.  Tem o carro de som que anuncia o próximo baile funk, a apresentação do circo, do cantor, do grupo não sei de quê.  Há também, por incrível que pareça, o homem do pão. Sim, em Campinho ainda existe quem venda pão de porta em porta, não em carros de som, mas pedalando uma bicicleta com um enorme cesto de palha cheio de pães fresquinhos, fofinhos, crocantes.  Pão de milho.  Pão de leite.  Pão doce.  E  talvez por causa do excesso de barulho, não há como gritar anunciando o pão, então, eles buzinam.  Eu até reconheço um toque de nostalgia no vendedor de pão, afinal, com a modernidade, vender pão de porta em porta nos remete a bucólicos tempos de outrora.  Mas a buzina estraga tudo.

E tem o incrível, fantástico, extraordinário, indefectível carro de som que vende pamonha.

Apesar de nunca ter experimentado, eu detesto pamonha.  Não gosto daquela trouxinha recheada com uma massa que não me cheira bem.  Acho até interessante sua forma artesanal, mas pamonha nunca me atraiu, pelo contrário, assim como tanta gente normal, não gosto daquilo que nunca provei, vai entender.   O carro que anuncia a pamonha fresquinha, fofinha, macia também não tem dia nem horário para amolar a paciência da gente.  E o que mais me chama a atenção é que todos, TODOS os carros de som que anunciam pamonha o fazem da mesma forma, já perceberam?  Por que anunciam da maneira mais chata possível?  Por que o som do carro de som que vende pamonha é tão insuportável, metálico, enjoativo, alto, incômodo? Acho que minha aversão à pamonha se dá mais por causa daquele jeito peculiar de ser anunciada do que pelo gosto em si. 

O egoísmo dos tempos atuais tem impedido as pessoas de pensarem no seu próximo.  Eu sei que isso é lugar-comum, mas um pouco de consideração aos vizinhos sempre faz bem, talvez mais até a si mesmo do que a eles.  Eu sei que quem mora na minha vizinha comunidade sofre muito mais com o barulho do que eu, assim como os outros moradores dos prédios ao redor.  Mas há quem, por incrível que pareça, nem se incomode, por costume ou conformação mesmo.  Sei também de lugares onde impera o tráfico em que os malditos bailes funk não têm hora nem volume com limite. Mas o excesso de barulho, principalmente de funk tem minado com a minha saúde.  A Regina Casé, a Xuxa e tantos quantos dizem amar essa porcaria não moram em lugares onde essa praga existe e toca no último grau de sandice.  Suas mansões situam-se bem longe dessa baderna e suas noites são tão silenciosas quanto o vácuo do espaço sideral, sem  funk, carros de som, muito menos os que vendem pamonha, que eu detesto. 

A cidade grande já é barulhenta por si mesma, e todos nós, em algum momento, não hesitamos em sentar a mão na buzina do carro 1 segundo após o sinal ficar verde.  Vivemos com as sirenes das ambulâncias, dos caminhões dos bombeiros, dos carros tunados, da polícia, dos rasantes dos helicópteros, do barulho  das motos envenenadas e dos carros de som que vendem de tudo um pouco. É muito barulho por nada, porque se barulho fizesse a gente chegar mais rápido em algum lugar pelo menos valeria alguma coisa.  

Há quem faça barulho quando vai dormir e quando acorda e quando chega ou sai de casa, pois ao pisar no seu chão está incomodando o teto do vizinho, com um salto alto, um cachorro sem educação, ou uma criança que cisma em jogar bola dentro de casa.  As propagandas de TV são altas, pode reparar.  Elas gritam seus produtos, a fim de chamarem a atenção para seu consumo.  As chamadas dos programas idem. Tudo é e está muito barulhento e quem cresceu no meio do silêncio, como eu, vive num esgotamento emocional cada vez maior.

Eu sei que eu me acostumei muito mal com a falta de barulho.  Fico observando Davi dormir com todo o barulho que me incomoda.  Ele vai num sono só e eu bem que gostaria de ser assim.  O pai é a mesma coisa, só que, como eu fico muito estressada, ele acaba se estressando também.  Apesar disso, talvez o único som que eu ainda tenho o privilégio de ouvir, em plena cidade grande - apesar de ser no Campinho - é o som do galo cantando.  Sim, no Campinho a gente ainda houve o galo cantar lá pelas 4 horas da manhã.  Algumas vezes também aparecem uns saguis, emitindo seu típico assovio e, claro, alguns pássaros comuns a vários lugares.

Sua cidade é calma, tranquila, silenciosa?  Você reclama do tédio, da falta de um "sacode" na pracinha principal?  Já não aguenta mais ser acordado pelo canto do galo?  O sino da igreja te incomoda, mesmo às 5 da manhã?  Você é feliz e não sabe, porque quem mora num lugar com alguma coisa perto de 1.000.000.000 de habitantes e não sofre com barulho é o sortudo da vez.  Há lugares maravilhosos por aqui, vilas residenciais tranquilas, ruas calmas, mesmo com o movimento do trânsito e APESAR dos carros que vendem pamonha, queijo fresco e goiabada.  Eu sonho em viver num lugar assim, mas, no momento, tenho que ter paciência e conviver com as consequências das minhas escolhas até um dia, quem sabe, poder me mudar para um lugar mais tranquilo e menos barulhento.

Aliás, eu já disse que eu detesto pamonha?

Comentários
2 Comentários

2 comentários:

  1. rsrsrs Ler seus textos é sempre uma diversão, apesar deste ser uma queixa (com toda razão).

    Meus parentes, quando vem do Rio, sempre ficam impressionados com a calma do lugar aqui. Parece mesmo que vivem nesse stress provocado pelo barulho e quando chegam nesse marasmo, acham que estão no paraíso.

    Gostei de uma frase que você usou: "O egoísmo dos tempos atuais tem impedido as pessoas de pensar no seu próximo". Escrevi sobre isto hoje.

    Beijo Lu e não implique com as pamonhas, elas são uma delícia!

    ResponderExcluir
  2. Neth, havia me esquecido do caminhão do lixo que sempre passa de madrugada e também das combis e vans que anunciam "Freguesia-Pau da Fome-Taquara" naqueles autofalantes medonhos.

    Acho que vou me mudar para BH!

    Bjs

    ResponderExcluir

Obrigada por seu comentário!