Num Piscar de Olhos

O mundo das corridas de automóveis, principalmente a Fórmula 1, gira em torno dos segundos e suas divisões. Assim também, o "homem mais rápido do mundo" é definido por quebrar recordes de décimos ou milésimos de segundos. A velocidade da luz - talvez a maior - é de 299.792.458m/s. Já a velocidade do som é de 340,29 m/s. A velocidade do pensamento, .... bem,  aí vai depender, porque tem horas que o pensamento fica igual a computador: se estiver muito carregado, tudo fica muito lento e o sistema congela.  Aí, só dando um "reiniciar" (o antigo boot) para clarear as ideias. 

Em se tratando de crianças e os acidentes que as cercam, a velocidade com que  estes acontecem é a de um piscar de olhos que, dizem, ser de 2 segundos. Às vezes, parece que é bem menos do que isso.

Há alguns dias, uma criança de seus 4 anos caiu da janela sem proteção do prédio onde morava. Imagino que deva ter sido uma questão de piscar de olhos, não por conta da velocidade da queda em si, mas os passos que a levaram até à janela.  Em outra ocasião, bombeiros foram acionados para tirar um bebê que estava sentado nas grades da janela, no 2º andar do prédio onde morava.  Num outro caso, a mãe levou a filha de 5 anos para o apartamento e desceu para continuar na festa. Alguns minutos depois, a menina havia alcançado a janela da área de serviço, cuja rede de proteção estava cortada (ou rasgada), caiu e morreu. Em todas essas situações, os responsáveis haviam deixado a criança sozinha e, num piscar de olhos, tudo aconteceu.

Outro caso muito comum ultimamente é o de crianças que ficam dentro do carro enquanto o/a responsável vai resolver alguma coisa... "rapidinho" como, por exemplo, trocar uma peça de roupa numa loja dentro de um shopping center.  Outras crianças são "esquecidas" dentro dos automóveis e, lamentavelmente, muitas não conseguem sobreviver.  E tudo é apenas uma questão de segundos, na velocidade de um piscar de olhos. Acidentes de carro também são muito comuns quando a justificativa para não usar a cadeirinha ou o cinto de segurança é "ir ali rapidinho", afinal, é tão perto de casa... 

É num piscar de olhos que se perde a criança numa praia cheia, ou até mesmo dentro de uma loja ou supermercado. 

É num piscar de olhos que a criança entra na cozinha e alcança a gaveta de facas, ou o cabo da panela  que ficou virado para fora, em cima do fogão.

É num piscar de olhos que a criança alcança o fogão, cujo forno está ligado.

É num piscar de olhos que a criança cai do sofá ou da cama sem grade de proteção.

É num piscar de olhos que a criança coloca o dedo na tomada e leva um choque.

É num piscar de olhos que a criança engole uma agulha, um pedaço de vidro, uma tampa de garrafa que ficou jogada em algum canto da casa.

É num piscar de olhos que a criança abre o armário que guarda remédios ou material de limpeza. E num piscar de olhos, ela abre os frascos e ingere seu conteúdo.

É num piscar de olhos que a criança puxa a ponta da toalha da mesa, ou um fio que está pendurado, e tudo cai em cima dela.

É num piscar de olhos que a criança entra no banheiro ou no quarto e consegue trancar a porta.

É num piscar de olhos que a criança encontra um barbante, um fio de nylon ou um cadarço e enrosca no pescoço.

É num piscar de olhos que a criança cai dentro de uma piscina e se afoga, pois está sem colete ou protetores infláveis nos braços.

É tudo muito rápido e talvez a ausência de explicações para alguns acidentes se deva a essa rapidez, a essa velocidade com que eles acontecem.

Certamente que muitas dessas coisas acontecem não por falta de atenção ou cuidado dos pais. Não dá para colocar uma coleira na criança e prendê-la no pé da mesa, ou mesmo sair na rua com ela dessa forma,  pelo menos eu não concordo com esse tipo de... controle. Por outro lado, porém, como explicar que uma criança seja esquecida dentro do carro ou na escola, ou até numa festa? Eu realmente não entendo, e, claro, também não estou dizendo que estou isenta de cometer um deslize desses. Porém, alguns casos se tornam absurdos quando simplesmente não conseguimos uma explicação no mínimo razoável.

Pois é, parece que por um bom tempo não vai dar nem piscar direito, porque essas coisas acontecem com uma velocidade praticamente incalculável, muito maior até do que a da luz. Mas que dá para evitar alguns absurdos, acho que dá!

* A Lei (da Gravidade) é dura, porém é a Lei!


Está aberta oficialmente a temporada de quedas no chão! E também de colocação de dedos nas tomadas e nas gavetas.  E de prender esses mesmos dedinhos em algumas outras gavetas ou portas. E também de tirar fio das quinas dos móveis.   E também de colocar tudo, absolutamente T-U-D-O na boca - tudo o que não presta e que não pode, que fique claro. E de se ouvir, o tempo todo pela casa, as frases: Não pode ou Saia Daí. Não que isso esteja acontecendo há pouco tempo, mas tem se intensificado com o passar dos meses.

Está aberta, também, a temporada de "decoração preventiva".  Gavetas lacradas, tomadas tapadas, bibelôs, porta-retratos e outros utensílios bem acima do alcance daquelas mãozinhas nervosas.  Nesta semana, houve a tão aguardada instalação da rede de proteção naquela varanda assassina. Em breve, a grade/portãozinho para bloquear o acesso à cozinha  e à gaveta-da-pia, cheia  facas e outros objetos de desejo e de trabalho de muitos serial killers.

Davi tem uma característica que é, ao mesmo tempo, boa e preocupante: ele não manifesta dor com facilidade.  A menos que seja alguma coisa beeeeeeeem dolorosa e dolorida (como a pós cirurgia do primeiro tempo da hipospadia), ele não reclama de dor. O lado bom é que parece que ele é resistente; o preocupante, porque eu acabo "chegando tarde" na situação, descobrindo um machucadinho ou uma pereba no dia seguinte ou mais depois. Aí, eu fico arrasada, me sentindo uma incompetência em forma de mãe...(pausa dramática).

Mesmo assim, não sou do tipo que vive se desesperando com qualquer arranhãozinho nele, não, mas se ainda existe uma coisa que me preocupa é quando ele bate com a cabeça. Eu ainda não sei lidar bem com essa situação e sempre acho que é sério, por mais leve que seja a pancadinha - talvez seja a mistura do barulho que a pancada faz com o barulho que ELE faz!  Mas dizem que criança que não tem nenhuma marca de ferimentos não tem infância e eu acredito nessa máxima do cancioneiro materno-popular.

Me lembro dos moleques da época em que eu era uma doce menininha, todos, ou quase todos tinham vários machucados - cicatrizados ou não - espalhados pelo corpo, principalmente nas canelas.  Aqueles meninos viviam soltos pelas ruas dos subúbrios em que morei, soltando pipas, trepando em árvores ou fabricando os próprios brinquedos (visto que nem todos tinham condições de comprar um).  E aí, um despencava da árvore e quebrava um braço, ou um pé, ou um dedo (ou os três); outro vinha com as mãos lanhadas de tanto passar cerol proibido nas linhas das pipas; outro, com um dedo semi-decepado por uma lata velha que estava se transformando em carrinho. E aí, antes de levá-los para o hospital a fim de tomarem a terrível antitetânica, muitas mães tascavam açúcar ou café nos seus ferimentos- o que enlouquecia os médicos - mas não sem antes darem uns bons tabefes nas orelhas dos monstrinhos. Algum tempo depois - anos, até-, as cicatrizes se tornavam orgulho de uma infância vivida a todo o vapor, e sempre carregavam uma boa história para contar.

Hoje em dia, muitas mães (tipo, eu, por exemplo) ficam meio sem saber o que fazer numa hora dessas, pois seus filhos, bastante vacinados, não ficam soltos na rua trepando em árvores ou soltando pipas e sim, dentro de casa, com a cara enfiada no computador, envolvidos com algum jogo eletrônico (e caro) ou em alguma rede social. E fico imaginando se Davi estará fadado a essa infância meio artificial imposta pela modernidade e pela violência urbana. Como muitas mães, não quero que meu filho se machuque, que apareça sangrando com um corte nas mãos ou na testa, ou que fique se esborrachando pela casa.  Mas confesso que  uma possível infância sedentária me dá mais arrepios do que ter que passar por uma fase da vida tendo que levá-lo ao pronto socorro para remendar o joelho ou o supercílio (sem colocar açúcar ou café nos ferimentos, afinal, eu sou muderna!).


Nesse momento, tenho, sim, vontade de, pelo menos, colocar um capacete medieval no Davi  (o barulho da batida da cabeça  talvez fique um pouco diferente). Também acho que muitas mães, (tipo eu, por exemplo) em algum momento, se pudessem, colocariam uma armadura inteira nos seus filhos. Acho que é coisa de mãe hum...muderna. Porém, se elas - as crianças - não se quebrarem nem um pouquinho, qual a história que elas - as crianças - e nós - as mães - teremos para contar no futuro, se não haverá, sequer, uma cicatriz para mostrarmos, com orgulho, algum naco de uma infância vivida a todo o vapor?


* (Do latim Dura Lex sed lex - A Lei é dura, porém é a Lei)