Terceirização, Maternidade, Culpa e Rótulos

O que é terceirização?  Para que serve?  De acordo com a wiki, terceirização é 'Prática que permite a empresa abrir mão da execução de um processo e transferir para um terceiro, portador de uma base de conhecimento mais especializada, com o objetivo de agregar maior valor ao produto final.' [Leonardo Leocadio].   

O objetivo principal da terceirização é a busca de redução de custos sem afetar a qualidade do serviço e no nosso país a terceirização tem tomado lugar cada vez maior em vários setores de prestação de serviços: desde encarregados de serviços gerais até médicos podemos encontrar profissionais que atuam como terceirizados. 

E outro dia, entre um comentário e outro neste post  do blog minha casa, meu mundo (muito fofo, diga-se de passagem), alguém colocou alguma coisa desse tipo: a terceirização da maternidade. O tema central do post - que se referia a outro post de outro blog - era a rotulação a mães que trabalham fora.  E eu, como trabalho fora, me identifiquei com o debate boca.


Nesses tempos bicudos, muitos casais escolhem ter apenas 1 filho e uma dessas razões é a questão financeira, pois muitos querem dar uma boa escola, um curso de línguas, uma atividade extracurricular, uma boa alimentação às suas crianças.  Nos casos em que algum ou os dois cônjuges já têm filhos de relações anteriores, aí é que parece que essa opção é quase certeira, uma vez que os gastos ficam maiores.  E para ajudar nas finanças domésticas, muitas mães trabalham fora tanto quanto seus maridos.  Ou são mulheres que já eram independentes antes de se casar/juntar/engravidar, ou que decidiram voltar ao mercado de trabalho, dentro ou fora de casa.  Ou seja, as razões são variadas, mas o que se não pode fazer é tacar pedras na mulher que, por falta de opção tem que trabalhar fora, já que seus rendimentos são responsáveis por boa parte do orçamento doméstico.

Uma vez que não dá para se dedicar integralmente, essas mulheres acabam por colocar sua criança nas mãos de alguma empregada doméstica ou babá ou na creche.  E aí eu pergunto: isso é terceirizar a maternidade?  Porque um dos pontos da discussão era esse e um dos argumentos para embasá-lo era: a mulher decidiu ter filhos para outra pessoa criar?

Além de ser fraco, esse argumento é bem descabido porque, como já citei, às vezes não é questão de apenas querer continuar sendo independente, mas de falta de opção.  Porque ter coragem de abrir mão de um salário robusto somente para ficar em casa cuidando dos filhos é para poucas pessoas.   E ainda assim há aquelas que simplesmente gostam de trabalhar e de ganhar seu próprio dinheiro.  Eu sou filha de mãe que trabalhou fora também, gosto de trabalhar e trabalho desde os meus 15 anos, mas, numa boa, se meu marido me depositasse o equivalente ao meu salário todo o mês, eu ficaria em casa, com certeza.

Essa história de que colocar filho na creche ou nas mãos de uma babá é terceirização é boa só para quem não passa o sufoco de muitas mulheres que querem dar um mínimo de conforto ao seu lar e família.  Lamento infelizmente não poder acompanhar o crescimento dia a dia do Davi, de deixar passar detalhes, descobertas e tudo o mais.  Porém, fazer o que?  Ficar me culpando o tempo todo? Me deixar rotular?  Não.  Até porque, repito, não trabalho só porque gosto, mas porque preciso, e muito.  Diferente seria se eu tivesse oportunidade de ficar em casa o dia inteirinho e delegasse totalmente a outra pessoa o cuidado e educação do Davi.  Aí, sim, acho que é terceirização, já que seria  "...abrir mão da execução de um processo e transferir para um terceiro, portador de uma base de conhecimento mais especializada, com o objetivo de agregar maior valor ao produto final."   

Apesar da lenha que é ter que trabalhar e ter casa e família para cuidar, não tenho a menor intenção em abrir mão da execução do processo de educar e cuidar do meu filho, muito menos transferir essa responsabilidade para quem pode até ser mais competente como mãe do que eu.


Por outro lado, quantas não são as mães que ficam em casa o dia inteiro e não dão 1 minuto de atenção para sua criança?  Portanto, o pulo do gato não é a quantidade e sim a qualidade que se dá ao tempo que se tem.  Tem dias em que eu chego morta de cansada e só gostaria de tomar um banho e ir me deitar.  Mas não posso porque tenho um pequeno para dar atenção, carinho, para ler alguma história, dentro de um tempo curtíssimo, até porque ele também fica o dia inteiro sem mãe nem pai e carece dessa atenção.

Como também sou dona de casa, reconheço o valor de quem se dedica aos filhos e à casa em tempo integral, porque trabalho de casa não aparece nem termina nunca, e por essa razão não rotulo ninguém que realmente PODE ficar em casa (porque há casos em que a pessoa se dá ao luxo de ser dona de casa sem poder, né).  

De vez em quando a culpa bate na minha cara? Com certeza, até porque culpa e maternidade são praticamente irmãs, não é?  De vez em quando eu fico frustrada por constatar que Davi já sabe de coisas  que foram aprendidas na creche e não comigo?  Com certeza, porém, a responsabilidade maior de orientá-lo e educá-lo eu não transferi para ninguém, porque ela é minha e de mais ninguém, trabalhando fora ou não.

Então, o negócio é respirar fundo, tocar a bola para frente e torcer para que um dia eu possa ter condições de ainda pegar um restinho de sua infância e poder curtí-la o quanto puder.  Poder levá-lo e trazê-lo da escola, por exemplo, é um dos meus grandes desejos, porém, por enquanto assim vivemos, porque a vida moderna assim é.  O certo é que não me torno uma mãe menor por trabalhar fora, porque faço  isso com a consciência tranquila de que não é uma opção, é uma falta de opção e é para o bem dele e de todos, afinal. Mas posar de mãe integral e ficar com a corda no pescoço não é comigo, porque para mim não adianta nada só aparecer, tem que PODER SER.


Comentários
2 Comentários

2 comentários:

  1. "Além disso, observa-se que a maternidade atualmente vem envolta por um grande sentimento de culpa. Recentemente ouvi na clínica uma mãe se culpar por admitir que um dos maiores prazeres que sente é tomar um cafezinho após o almoço. A fala daquela mulher (“Eu sei que é errado, que é egoísmo meu. Eu deveria me sentir bem com algo relacionado às minhas filhas”) caracteriza bem o que muitas mulheres vivenciam. Outra mulher uma vez confessou angustiada que se sentia aliviada quando ia para o trabalho e podia se desligar um pouco dos filhos. Ela recriminava-se enquanto mãe, pois não condizia com a imagem retratada socialmente. Uma mãe não pode gostar de trabalhar, ela tem que se sentir feliz apenas quando está perto do seus filhotes?"

    http://psicologiaembrasilia.blogspot.com.br/2012/12/nao-ha-duvidas-de-queter-um-filho-e-uma.html

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  2. Olá, Maria.

    Muito boa a sua participação. O texto do link é bem interessante, já que afronta a ideia de que não podemos "ter vida após a criança", além da constante presença da culpa. Aliás, você me deu uma excelente ideia de post.

    Obrigada e um beijo.

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