Põe o Pé no Chão!

A campanha de uma marca de sabão teve uma ideia bem interessante: em lugar de roupa limpa, mostra crianças brincando na lama, na grama, no chão.  Seu slogan é: "porque se sujar faz bem".

Quando assisti às primeiras chamadas achei meio óbvia a mensagem porque, a meu ver, não há como desassociar brincadeiras ao ar livre da sujeira.  Porém, pensando um pouco mais,  me dei conta de que nos últimos tempos algumas brincadeiras infantis geralmente acontecem em lugares muito pequenos,  limitados e limpinhos. Talvez tenha sido esse o foco da propaganda.

Com exceção daquelas que crescem no interior ou mesmo numa casa com quintal, a maioria das crianças dessas últimas gerações vive em apartamentos.  Muitas passam uma boa parte do seu dia na escola ou em outras ocupações, como aulas de língua estrangeira ou atividades físicas. Há casos daquelas que levam uma rotina bem militar, afinal, o objetivo de muitos pais é manter seus filhos numa espécie de permanente - e cansativo - campeonato, a fim de  superarem obstáculos e se encherem de medalhas, troféus e recordes, seja lá do que for.  O que sobra é um pedacinho da manhã para um café super rápido e a noite, com seus deveres de casa para as aulas e/ou provas do dia seguinte. No fim de semana, o shopping ou o game de computador têm seu espaço vip-privilegiado nessa agenda, com raríssimas exceções para um passeio ao ar livre.  Ar livre mesmo.

Por conta disso, é comum vermos crianças que se espantam em descobrir que o ovo vem de dentro da galinha, ou que o leite não é feito na caixa, mas num enorme animal chamado vaca, por exemplo. Dentro de casa, o contato com o chão de piso frio, madeira ou carpete/tapete é muito pouco, afinal, a geração "nebulizador" não pode ficar muito exposta à poeira e seus ácaros, pois com mais descobertas científicas a respeito de tal ou qual bactéria, fungo, vírus ou outra malignidade microscópica, vivemos assustadas e corremos a proteger nossas crianças, que estão sempre muito bem calçadas, vestidas, agasalhadas, protegidas do sol, da chuva, do vento e das minhocas.  E cada vez mais cheias de alergias e problemas respiratórios.

Tenho testemunhado isso com Davi. Não chega a ser um ataque de pânico como foi quando do primeiro contato com a areia e o mar, como comentei aquio que é muito comum nessa experiência.  É no dia a dia, porque o menino anda calçado desde o momento em que sai de casa. Claro que, na creche, há momentos em que as crianças ficam descalças, mas o contato com o que não é piso limpo ou tapete de E.V.A. é muito pequeno. Se tropeça e cai, faz uma cara de nojo e olha para as mãozinhas cheias de areia  ou de terra, sem saber o que fazer.  Mesmo gostando de andar pelado em casa, Davi não gosta de ficar descalço (!) e não é por falta de esforço da minha parte, porque eu quero mais é que ele fique sujo, sim, com areia nas mãos, nos pés, na roupa, porque a fase aguda de esterilizações de objetos e roupas já passou.  Ele está bastante imunizado, até com vacinas que estão fora do Calendário Básico de Vacinação, portanto, não vejo problema se ele se lambuzar de vez em quando.

É claro que não vou deixar meu filho pisar em qualquer lugar, entrar em qualquer terreno baldio ou tocar em tudo.  Há limites e há momentos. Não estou falando de vala ou de esgoto ou lixão.  Não precisa comer barata nem minhoca, muito menos chafurdar no lixo do banheiro ou no vaso sanitário. Acidentes acontecem, mas se alguns são inevitáveis outros podem ser mesmo falta de cuidado, de zelo e de higiene.  Por outro lado, não consigo entender como alguém pode privar seu filho de  se sujar, nem que seja com a areia da praia.  Admiro muito uma tradição típica dos americanos, que é a de fotografar suas crianças com seus cachorros, e muitas dessas crianças são ainda bebês de poucas semanas.  É bem provável que seja uma questão cultural, porque essa foto, aqui, seria sumariamente reprovada!

Eu não quero ter uma criança dentro de casa cheia de não-me-toques, que se apavora com um chão batido, com grama, com lama. É claro que a gente tem que cuidar, limpar, manter o que contamina bem longe dos nossos filhos. Eu sei que nem todo mundo nasceu para ter uma relação muito íntima com a natureza e seus bichinhos estranhos, mas pé no chão vez ou outra não faz tão mal assim, não.

Portanto, eu digo: deixe sua criança à vontade de vez em quando. Deixe que ela ande um pouco descalça, não somente dentro de casa, mas em algum lugar onde se possa ter contato com a terra batida,  com lama, grama. É muito fofinho quando ela tenta comer sozinha e fica toda lambuzada de feijão ou de molho de tomate, mas não é disso que eu estou falando, se bem que há casos em que nem isso acontece.

Eu tenho certeza de que algumas das melhores memórias de infância são aquelas em que se brincava sem se preocupar com a sujeira. Mas tem um detalhe: se a gente quer que a nossa criança fique suja, então a gente tem que estar disposta a se sujar também. E se sujar, a gente lava, porque foi assim que nossas mães também fizeram quando nós éramos crianças, não foi?




Comentários
4 Comentários

4 comentários:

  1. Anônimo11/22/2011

    meus filhos são dois tatus, amam cavucar uma terra, e tenho certeza que atinjo o meu principal objeitvo com isso, os vejo felizes.

    Vivi

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  2. Pois é, Vivi, tenho estimulado o Davi, mas tá meio complicado.

    Criança tem que colocar o pé no chão e a mão na terra, senão fica cheia de frescura.

    :g

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  3. Ahhh eu brincava tanto de terra, areia, fazia comidinha de mato, subia em árvore e comia frutinhas sem lavar... infância boa mesmo. Até hoje adoro um pé no chão. E não se ouvia falar tanto de viroses. As crianças eram bem imunizadas naturalmente. Meninos de apartamento sofrem mesmo.

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  4. Eu também fazia bolo e brigadeiro com lama, Neth, e comi muita amêndoa do chão e muita frutinha sem lavar também.

    :g

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