A Vida da Bailarina

Acredito que quase todas as meninas tiveram o sonho de um dia ser bailarinas.  Das clássicas, claro, se bem que, hoje em dia, muitas sonham mesmo é em se tornar top models ou, nos piores dos casos, mulheres-frutas.  Mas ainda há aquelas que sonham e outras que conseguem realizar essse sonho.

E como é lindo ver uma bailarina dançando, não é?  Sua leveza ao dar piruetas e saltos mais parece uma pluma de tão delicada.  E não basta apenas saber dançar, a bailarina também tem que interpretar um papel.

Vida de bailarina não é fácil e o seu nome é disciplina.  Da hora em que acorda até voltar ao seu quarto, a bailarina tem que rodopiar e suar muito sua malha.  São anos e mais anos em busca da perfeição, do gesto que será o diferencial que irá destacá-la das demais para que, ao final, ela seja a primeira bailarina do corpo de baile.  E não devemos nos esquecer da dieta alimentar, que é constante.  Muito pouca comida, muita água, quase nada de chocolates e sorvetes. Dedicação 24 horas por dia, em ensaios, aulas, repetições de passos, estudos sobre os ícones do balé, dos personagens de tais ou quais peças.

Uma das coisas que mais impressiona e chama a atenção em uma bailarina é suas sapatilhas de ponta, geralmente cor de rosa e com fitas de seda da mesma cor.  Até chegar a esse nível de desenvolvimento, a bailarina já dançou muito na sapatilha de meia ponta, porque seu sonho é ir para a sapatilha de ponta, pois esta passagem de nível significa que ela é, enfim, uma verdadeira bailarina.  E apesar de bonito, como é difícil se equilibrar na ponta dos pés. E aí vêm mais e mais anos de treinos e exercícios puxadíssimos.

Por trás de toda essa beleza escondem-se os pés da bailarina,  que geralmente são uma tragédia. Calos em todos os dedos, unhas encravadas, bolhas e joanetes que enfeiam seus pisantes.  São neles que se sente a maior dor e pressão do peso do corpo, por mais magra que ela seja.  São eles quem mais sofrem durante toda a vida da bailarina, afinal, é sobre eles que pousa toda a sua leveza e delicadeza de pluma.  Eles sofrem e levam a linda bailarina às lágrimas.  Não importa se ela é a primeira ou a última bailarina do corpo de baile, se os pés estão sangrando no meio da peça, ela tem que se manter linda e fazer sua apresentação de forma arrebatadora.  Mas os pés... um horror.

Ao final, as dores passam, os calos e as unhas encravadas ficam, mas a sensação é de realização.  A bailarina lembra de todas as privações, do suor, dos exercícios repetitivos, da fome, olha para seus pés feios e maltratados pela linda sapatilha rosa com fitas de seda mas se sente feliz.  

Esse é o preço da sua escolha.  Ter os pés feios e maltratados não é motivo de vergonha para a bailarina e sim, de orgulho, porque eles estão dizendo ao mundo o quanto ela é esforçada e dedicada e se submete à dor para realizar seu sonho.

A gente não precisa ser exatamente uma bailarina de verdade para ter os pés feios e maltratados.  Mesmo não sendo nossa escolha, às vezes a vida se encarrega de fazer isso, nos proporcionando caminhadas tão longas que chegam a sangrar nossos pés.  Mas a gente tem que continuar dançando bonito, rodopiando e saltando para continuar essa caminhada.

Esse ano foi meio assim novamente.  Mais uma longa caminhada com a hipospadia do Davi, e vejo meus pés sangrando, cansados, com bolhas e calos.  Vejo Davi cheio de vida, saudável, mas ainda faltam ajustes a fazer.  Seu jato de xixi continua fino e a cirurgia plástica não ficou como eu imaginei e agora teremos que esperar, e esperar, e esperar o tempo fazer a parte dele, que eu não sei muito bem qual é.

Eu tenho que continuar dançando, ainda que meus pés continuem sangrando, porque eu quero acreditar que vai chegar o dia em que essa caminhada vai terminar e, assim como a bailarina, vou me orgulhar dos meus pés feios e maltratados.

Mas como dói....


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