Da Culpa


No dia em que estava fazendo minhas "artes", a avó do Davi me vira e diz o seguinte: "você vive reclamando que não passa muito tempo com ele, e agora está gastando um tempão com "isso aí". "Isso aí" era a caixinha de xícaras que eu estava fazendo naquele momento, para enfeitar um pouco a minha cozinha e desanuviar minha mente das tensões do dia a dia.

O que acontece imediatamente após você ouvir tal coisa? Culpa. Porque, se você reclama que vive na correria porque trabalha o dia inteiro e passa menos de 3 horas diárias com seu filho, gastar tempo com qualquer outra coisa que não seja com ele quando surge qualquer folguinha é praticamente uma heresia. 

E a partir do sentimento de culpa, saímos a cometer os erros que muitas vezes transformam nossas doces crianças em monstrinhos insaciáveis e profissionais na arte da chantagem emocional, que geralmente descamba em alguma concessão, seja  comercial ou de autoridade.  O raciocínio geralmente é assim: já que não consigo ficar muito tempo com minhas crianças, então, tudo bem, elas têm o direito de fazer o que querem e eu, o dever de atendê-las em todas as suas necessidades. Mesmo que essas necessidades não passem de simples caprichos.

Eu não sou muito diferente de tantas mães que padecem com a culpa.  Apesar de não sofrer com o fato de trabalhar fora, me acho na obrigação de dar total atenção ao meu filho quando me sobra um pouquinho de tempo. Em certos momentos, eu realmente me sinto culpada por gastar muito tempo nos afazeres domésticos - a cozinha é meu maior algoz - quando eu DEVERIA estar dispensando esse tempo com Davi. Ainda não cheguei ao ponto de ser massacrada com o mantra "compra" "compra" recitado dentro dos shoppings, mas eu sei que esse dia vai chegar e tenho me preparado para resistir bravamente.

Se a gente sabe que o mais importante não é a quantidade, mas a qualidade do tempo que passamos com as nossas crianças, o desafio é transformar esse tempo curto em algo satisfatório, sem se esquecer de si mesma.  Como gastar um tempinho só com você, com aquilo que é interessante só para você, de forma a não parecer egoísmo ou falta de atenção para com sua casa, sua família, seus filhos? E sem culpa ou, pelo menos, com um nível bem baixo de culpa?  Os homens fazem isso com tanta facilidade...

Ainda não alcancei o nível evolutivo de sair de férias ou viajar sem a ilustre e tumultuada presença de Davi. Mas de vez em quando eu sinto falta de fazer alguma coisa só para mim, eu-comigo-mesma, e não é apenas ir correndo ao salão de beleza ou à sapataria.  É algo que eu goste e que distraia a minha cabeça.  Daí as aulas de artesanato e o momento de fazer "artes" (ou "craftices", como aprendi outro dia) em casa.

Meu ritmo diário não dá margens para eu ter muito tempo para mim. Como mãe e dona de casa e que trabalha fora, tenho que cuidar do cabelo, da unha, da casa, do filho, do marido. Claro que não posso querer que a minha rotina seja semelhante a que eu tinha quando era solteira e sem filhos.  Não tenho empregada, nem babá, muito menos motorista particular para me levar para todos os lugares. Tenho afazeres e responsabilidades de quem tem uma família para cuidar e não me arrependo dessa minha escolha. Mas não posso me esquecer totalmente de mim.

A culpa continua marcando presença, mas acredito que não posso abrir mão desses meus interesses, porque eu sei que, ao final, isso vai me fazer bem, até porque não é tanta coisa assim que demande um tempo enorme do meu dia (ok, algumas vezes as coisas demoram mais do que deveriam, mas se for fazer as contas, no final o tempo ainda é pouco.)

E é por isso que eu quero incentivar você, que insiste em ler essa bagaça aqui: dispense um tempinho para você mesma. Talvez seja muito difícil no momento, ou até que você não saiba exatamente o que quer fazer, mas faça alguma coisa que só você pode fazer por e para você.

Mesmo que a culpa insista em te acompanhar, não abra mão de você mesma. Entre a culpa e o arrependimento de não ter feito, fique com a primeira, porque ela um dia vai passar, já o arrependimento.....


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