Rua do Lavradio

Eu sempre, sempre e sempre fui chegada a uma coisa antiga, a peças e móveis de outros tempos, porque eu acho que eles sempre carregam muitas histórias, de épocas e pessoas.  Não que eu gostaria de viver em outro tempo que não fosse agora, até porque acho que nasci na melhor das gerações, mas quando visito um museu ou um antiquário eu realmente "viajo na maionese".  Fico pensando em quem usou tal ou qual objeto e quando olho para os sobrados da cidade penso também em quem morou ali, como vivia e como era esse tempo (que não deveria ser muito fácil).

Na Rua do Lavradio, muitos dos antigos sobrados que ainda resistem ao tempo e a má conservação foram transformados em bares, restaurantes e antiquários e todo o primeiro sábado de cada mês os antiquários abrem suas portas para exposição e venda de suas peças.   E aí é que eu viajo mais fundo ainda na maionese.  Como fica no centro da cidade e bem perto de onde trabalho, muitas vezes me dava uma preguiça danada de sair de casa e ter que "voltar" para lá, mesmo com a enorme vontade de ver não somente exposições de peças antigas como apresentações de grupos musicais e de teatro.  Mas é à noite é que "o bicho pega", porque a Rua do Lavradio fica também bem próxima aos Arcos da Lapa e a balada começa na sexta-feira e só acaba no domingo (e olhe lá).




Como Davi geralmente corta o cabelo lá também, então resolvemos ir passear na Rua do Lavradio nesse mês novamente.

Para quem gosta de "coisa velha" como eu (palavras do pai do Davi), a Rua do Lavradio é uma espécie de fábrica de chocolate. 


Apesar de tudo ser muito caro - preço para turista estrangeiro - muitos móveis antigos estão em ótimo estado e acho que muitas vezes vale a pena investir em algo com uma qualidade desse nível.
 

Nas minhas viagens maionésicas, fico imaginando a trabalheira que era viver naquela época porque só pelo tamanho dos móveis a gente já pensa no tamanho das casas e das famílias, ou seja, simplesmente enormes. Haja disposição para dar conta disso tudo...


Quem é chegado num artesanato fica logo antenado e sempre colocando uma cor, um tecido, fazendo uma transformação imaginária em algum móvel ou objeto que encontra pelo caminho. Não adianta, vira vício e eu, que já era meio chegada, agora sou totalmente dependente. E olha que ideia legal que tiveram com a banheira, que se transformou num pequeno sofá!



Esta "cristaleira" abaixo nada mais é do que um antigo armário de hospital/clínica médica e agora com uma outra cor (que está precisando ser renovada) ficou como nova roupagem e utilidade.  Não é legal, isso?


É claro que tem gente que não é chegada mesmo a um serviço, só quer ficar na vida mansa, mas dá uma olhada na conservação das cadeiras? Estão inteirinhas!




 Nada que uma estampa bem legal não resolva, não é? Ao lado dessa poltrona, tem essa mesa com essa cadeirinha, boa para criança sentar e desenhar, tipo... Davi, sabe.






Imagina eu ter uma chaise com pé palito assim  no Campinho.... ainda bem que sonhar é colorido e de graça.....E a tentação? Quando você passa essas mocinhas falam assim, sussurrando no seu ouvido: "vem, senta ni mim que eu sou diliça".


A questão não é somente gostar e ter dinheiro, é também morar onde haja e-s-p-a-ç-o para as coisas aparecerem senão, ao invés de embelezarem o ambiente, acabam se transformando em entulho.  Amei profundamente esse gramofone, mas apesar de o meu apartamento não ser pequeno, esse fofo iria atrapalhar mais do que embelezar (lágrimas dramáticas).


A máquina de escrever também valeria a pena, se não valesse tanto.  Eu nem me preocupava em perguntar o preço das coisas, porque os valores são irreais. Mas o armário branco também está fofucho, não está?  Ai, ai, como é chato ser pobre...


Cocei meus bolsos e vi que tinha um pouco mais do que essa moeda aí de cima.  E já que não dava para comprar nenhuma chaise nem um gramofone ou uma máquina de escrever, consegui achar a  lanterna abaixo, muito maltratada pelo tempo mas que um dia receberá minha atenção, com muito amor e carinho. Onde ela vai ficar?  Não sei, depois eu penso nisso, mas eu não poderia sair dali de mãos vazias. Quanto foi? Inacreditáveis R$ 10,00!!!! Xepar não é pecado, minha gente!



E se alguém pensa que Davi corta o cabelo em cabeleireiro está muito enganado: ele corta cabelo em barbearia!  A barbearia também fica na Rua do Lavradio e é bem velha e caída muito simples, sem luxo nenhum, mas o barbeiro corta que é uma belezura. E na navalha, tá? E Davi se comporta muito bem, fica bem quietinho e não chora.


Máquina é para os fracos!

O dia estava lindo, com um sol maravilhoso, sem calor insuportável. Se você é como eu e gosta de velharias, vá visitar a Rua do Lavradio quando tiver oportunidade.  As coisas são caras, mas sempre tem uma coisinha aqui, outra ali e em muitos antiquários a compra é feita no cartão de crédito e parcelada. 

E nunca se esqueça: xepar não é pecado! Se não dá para comprar a kombi (que não estava à venda), dê uma olhada com mais carinho em alguma coisinha interessante.  Quem sabe você não encontra um sapo e o transforma em príncipe?



Gladys

Existem pessoas que vivem sem amigos e amigas e outras que não vivem sem eles.  Eu sou do último grupo. Sou privilegiada por ter adquirido, ao longo dos anos, amizades tão profundas, tão verdadeiras e tão resistentes que nem a maior distância ou o tempo conseguem enfraquecê-las.  Me lembro de uma amiga de colégio, a única que tenho dessa época.  Depois que concluímos o antigo 2º grau, perdemos o contato por quase uma década.  Quando nos encontramos, parecia que esse tempo tinha sido o dia passado.  Uma outra casou e foi morar fora do país, mas sempre que nos falamos ou nos encontramos é como se fôssemos vizinhas de porta. Há outras que estão perto e longe, porque as tarefas da vida nos impedem de nos vermos, nem por isso a amizade se dilui.

Amizade, ao meu ver, é mais que um sentimento, é um dom, porque nem todo mundo é tratável ou ... palatável, digamos assim. Assim como nem todo mundo nasce para ser um cantor, há também algumas raras pessoas que não conseguem ter ou ser amigas.  Amizade é também como aquela velha historia da plantinha: tem que regar, com cuidado nem para afogar nem para deixar secar.  Tem que podar, tirar as folhas secas, nutrir o solo, essas coisas poéticas, até porque amizade, além de um dom, também é poesia.  Mas não é quantidade, porque se alguém tiver e ser pelo menos 1 amigo já está no lucro.

Costumo dizer que eu tenho algumas mulheres na minha vida.  Pessoas que conheço há alguns bons anos, décadas até e que, apesar  das distâncias, das diferenças, o que supera tudo é o sentimento, o afeto. A amizade.  Drª Gladys Barbosa é uma delas. 

Não adianta, não consigo chamá-la só pelo nome, tenho que colocar o "doutora" na frente, afinal, foi assim que a conheci.  Assim também como não consigo pronunciar o nome corretamente - GlÁdys -, eu a chamo de GlÊdys e ponto final.  Já está na ponta da língua.  

Drª Gladys foi uma das grandes responsáveis por manter minha sanidade mental e emocional, numa época em que minha cabeça estava um minguau desandado. Uma psicóloga de mão cheia, mas tão mão cheia que não é de passar a mão na cabeça de ninguém - quem a conhece sabe muito bem disso -, mas é uma das raras pessoas que consegue equilibrar firmeza e carinho ao mesmo tempo.  Sendo transparente como é, ela leva a pessoa a ser transparente também consigo mesma e isso muitas vezes é difícil, porque nem todo mundo está disposto a se ver como realmente é. Muitas vezes é mais fácil deixar os parafusos soltos...

Drª Gladys sabe muito sobre mim, é uma das poucas pessoas que eu posso dizer que me conhece muito e bem, não somente por ter "cuidado" da minha cabeça, mas porque também é amiga, de longos anos, muita conversa e muitos apertos de parafusos.

Saquei 10 dias das férias para cuidar da avó do Davi, que foi operada da catarata (ou seja, de férias não tirei nada, né).  Nesse período, além de descansar só um pouquinho e fazer algumas coisinhas em casa, levei Davi para conhecer Drª Gladys, pois a última vez que nos vimos eu ainda estava grávida e ela estava cuidando da minha cabecinha.  Depois que Davi nasceu, nos falamos somente uma vez, e aí o tempo e as tarefas da vida nos impediam de um encontro e uma boa conversa.  E foi isso que aconteceu.

Davi é uma figuraça, claro.  Já chega no lugar querendo fuçar tudo o que vê pela frente.  No começo, não quis muito papo com Drª Gladys - ele geralmente age assim - mas depois vai se soltando e se entregando.  Foi um encontro maravilhoso e revigorante para mim, porque eu me sentia devedora disso.  Ela me acompanha há tanto tempo, sabe das minhas histórias, dos meus altos e baixos e agora com o nascimento do Davi era quase obrigatório que eu fosse visitá-la.

Infelizmente o tempo foi curto, porque conversar com Drª Gladys parece que abre o apetite para falar sobre tudo.  O mais importante, porém, foi a convicção de que tenho nessa mulher uma amiga, alguém em quem eu posso confiar plenamente, que me conhece e que sempre me ajuda, seja com um gesto ou palavra. Meu afeto por ela é tão grande que não caberia descrevê-lo aqui, porque é imenso, e espero que dure enquanto as nossas vidas durarem.




Aproveitei também para levar para ela uma caixa de chá que eu mesma fiz. Como foi a primeiríssima vez que eu forrei uma caixa de madeira com tecido, acho que não fiz muito feio, não (lixei as beiradas com lixa de unha direitinho, tá?).  Poderia até ter dado um melhor acabamento, mas a falta de tempo falou mais alto. 






Naquele dia, um pouco antes de me despedir, me dei conta de que era o Dia do Amigo, e aí me lembrei dessa poesia de Vinícius de Morais, que fala muito sobre o que entendo por Amizade.  Apesar do atraso, sempre há tempo para homenagear os amigos e amigas, virtuais ou reais, que passam e ficam em nossas vidas. 



Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho
deles.

A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o
objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o
ciúme, que não admite a rivalidade.

E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os
meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos !
Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto
minha vida depende de suas existências ...
A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem.

Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida.
Mas, porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto
gosto deles. Eles não iriam acreditar.
Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na
sagrada relação de meus amigos.
Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e
não os procure.

E às vezes, quando os procuro, noto que eles não tem noção de como me são
necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque
eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram
alicerces do meu encanto pela vida.

Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.
Se todos eles morrerem, eu desabo !
Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles.
E me envergonho, porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu
bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.

Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.
Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima
por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer...
Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não
me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando
comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só
desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos !

A gente não faz amigos, reconhece-os.

 

Eu Só Quero é Ser Feliz... Parte 2

Meu "up-grade" residencial se deu ao contrário do de muita gente: para morar melhor, tive que sair da zona sul e ir para a zona oeste.  Claro que se houvesse a oportunidade de ficar naquela área nobre, mas morando como moro hoje, eu ficaria, mas se é para ser feliz, então às vezes a gente tem que adaptar nossos planos à realidade.  Pelo menos eu penso assim, porque eu não sou do tipo que coloca a mão onde não alcança.  Se dá, ótimo.  Se não dá, paciência. Morar mal e até comer mal só para manter a pose não é comigo.

Não tenho do que reclamar, porque o bairro do Campinho é bem tranquilo e farto em comércio e transporte. É meio cansativo e chato de se chegar mas, no geral, é um lugar muito bom mesmo.  Porém, o que faltava nessa área e arredores era um espaço onde pudéssemos levar a família, as crianças.  Um lugar onde elas pudessem correr, brincar e se divertir.  Existem pracinhas? Sim, mas sabe como é, os brinquedos são quase todos quebrados e muitas ficam próximas a ruas de grande movimentação de carros, um perigo sempre constante.

Até que o prefeito "mauricinho-da-zona-sul" resolveu voltar seus olhos para as bandas de cá.  E aí surgiu o Parque Madureira



O Parque fica numa área enorme, que era ocupada por uma horta enorme, sem serventia enorme,  em baixo de torres de transmissão elétrica enormes.  É paralelo à linha do trem e ainda tem muito o que se fazer porque, apesar de já ter sido inaugurado, sabe como são as coisas, as obras ainda não estão concluídas e ainda faltam muitos acabamentos.  Mesmo assim, não poderiam ter construído espaço melhor para quem mora nessa área da cidade.

A área do Parque Madureira, durante a construção

Não vou descrever o parque mas no geral é rodeado de palmeiras, que ainda estão em fase de adaptação e por isso o sol bate com força e poder, o que significa que no verão, meu odiado verão, não receberá minha ilustre visita.  Entre tantos atrativos - uma pista enorme de skate, quadras de esporte, um espaço chamado Nave do Conhecimento, o ponto alto é a Praça do Samba, que promete mexer com as estruturas da região nos próximos carnavais, pois as escolas de samba Império Serrano e Portela ficam em Madureira e atraem um grande número de pessoas todos os fins de semana.



Se para os adultos a Praça do Samba poderá ser o maior atrativo do Parque, para as crianças esse lugar se chama Mirante.  O Mirante é uma plataforma ladeada por uma pequena escadaria.  A ideia, acho, era subir no Mirante para apreciar a vista do parque.  Só que esse Mirante tem um pequenino detalhe, que atrai as crianças assim como o mosquitinho é atraído pela lâmpada: aquilo jorra água! E com isso, surge o seguinte cálculo: criança + calor + mirante-que-jorra-água = criança se jogando na água, com roupa, de short, de sunga, de cuecas! E mães, que acabam ficando completamente molhadas, porque têm que acompanhar suas crianças ainda miúdas.


E foi exatamente isso que aconteceu na primeira vez que levei Davi.  E comigo.

Óbvio que eu não sabia que existia esse Mirante, muito menos iria imaginar que Davi, o enjoado, fosse se jogar de corpo inteiro naquela água, e olha que nem estava tão calor assim!  Não deu outra.  Foi o tempo suficiente para tirar as fraldas e deixá-lo só de cuecas. 




No domingo seguinte, repetimos o programa, só que dessa vez, além da tralha habitual que levo quando saio com ele, levei também uma toalha e a sunga de praia, porque sabia que seria inevitável que ele fosse para o Mirante-que-jorra-água e que atrai os mosquitinhos. E alguns mosquitões também.  Notei também eu não fui a única adulta a estar totalmente molhada, e aí eu não sei se os outros adultos que estavam molhados foram os que somente  acompanharam seus filhos pequenos ou também aproveitaram para cair na água.

O Fandangos NÃO patrocina esse passeio!
Acho que como o calor estava aumentando e o sol estaba bem forte, Davi ficou menos tempo do que eu esperava.  E aí, ao voltarmos para casa, fomos caminhando e eu fui mostrando a ele os canteiros e outras coisas que existem por lá.



Não pise na grama? Bah...


Quem me persegue?

Seria um day-after da Praça do Samba?



Quem mora nessa região nunca poderia imaginar que o prefeito "mauricinho-da-zona-sul" pudesse se lembrar dessa área e fazer uma obra tão legal que, espero, seja mantida não só para as Olimpíadas e Copa do Mundo, mas para toda a comundiade.

Me lembro que, ao passar por uma menina de uns 4 anos, toda molhada, ouvi a seguinte frase: "esse foi o dia mais legal da minha vida".  Espero também que as pessoas tenham consciência de que só preservando o local e respeitando as regras é que todos poderão usufruir esse espaço, porque não adianta o parque se encher de latas de lixo e guardas municipais se cada um não fizer a sua parte.

Espero também que o Mirante-que-jorra-água não se transforme, com todo o respeito, no mais novo Piscinão de Ramos, e que as pessoas não resolvam levar caixas de isopor e cadeiras de praia, porque o objetivo não é esse, porque infelizmente tem sempre alguns que gostam de bagunçar o lugar onde moram e depois reclamam da fama de suburbanos farofeiros.

Não acredito que os moradores da zona sul irão visitar o Parque Madureira, talvez por uma questão de bairrismo, ou porque já têm atrativos suficientes e, né, fazer o que lá no subúrbio fora da época do carnaval?

Eu frequento todos os lugares, até porque já morei na maioria deles mas, ó, com todo o respeito novamente, Praia de Ramos? Manempensar!  O que eu quero é ser feliz, mas tudo tem limites e eu também tenho minhas frescuras!

Eu Só Quero é Ser Feliz...Parte 1


 


Alguém se lembra de um rap chamado Rap da Felicidade?  O refrão dizia:


Eu só quero é ser feliz,
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, han.
E poder me orgulhar,
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar.


Hoje a gente sabe que o rap deu lugar ao funk que,  numa definição perfeita, significa: filme pornô para cego.  Mas este post, que vai ser grande, não é sobre funk, é sobre o lugar onde se mora e onde a gente tenta ser feliz.

Como eu já cantei em verso e prosa por aqui, moro na zona oeste do Rio de Janeiro, num bairro chamado Campinho.  Apesar de estar muito próximo ao bairro de Madureira (zona norte), Campinho, Vila Valqueire e Barra da Tijuca, por exemplo, pertencem à zona oeste, uma parte da freguesia de Jacarépagua, ou seja, não são bairros "suburbanos".  E como em todos-os-lugares-no-mundo-inteiro, fazer a marcação geográfica de onde se mora é de extrema necessidade para muita gente.  

Campinho não é subúrbio mas também não é tão zona oeste quanto a Barra da Tijuca, que acha que é zona sul. Da mesma forma, Campinho não é Tijuca, que também acha que é zona sul, mas é zona norte, ou seja, subúrbio. Portanto, Campinho está a um passo de ser zona norte e a muitas léguas de ser zona sul, a área mais nobre e almejada por uma boa porção de cariocas, com seus calçadões à beira mar e onde se pode facilmente encontrar alguma celebridade televisiva levando seu cãozinho para tomar sol, fazendo compras e ingnorando falsamente algum paparazzi.

Até mesmo dentro da própria zona geográfica, o bairrismo é evidente: quem mora em Ipanema, nem que seja no Arpoador (divisão entre esse bairro e Copacabana) já olha o "copacabanense" de outra forma, afinal, Ipanema é berço da Garota de Ipanema, da Banda de Ipanema, da Praia de Ipanema, de um dos metros quadrados mais caros do mundo.  Já Copacabana é a Ipanema de antigamente. Botafogo e Flamengo ainda são vistos com bons olhos, mas Catete e Glória já são considerados bairros mais decadentes. Assim também é na zona oeste: muita gente que mora na Freguesia diz que mora na Barra da Tijuca, e alguns que moram na Taquara ou no Tanque dizem que moram na Freguesia. E quem mora em Padre Miguel, Realengo, Paciência, Santa Cruz, Campo Grande mora é longe mesmo. É uma coisa. 

Conheço pessoas que moram bem, tanto na zona sul quanto na zona norte ou mesmo na Baixada Fluminense (que já é um caso à parte!).  E conheço quem mora muito mal, mas é na zona sul, e não sai dali para morar melhor de jeito nenhum, afinal, morar nessa área super nobre é o must, mesmo que isso signifique ter que dividir o mesmo espaço com favelas enormes, como Pavão-Pavãozinho, Cantagalo, Babilônia, Rocinha, Tabajaras, mas se é zona sul, perto da praia e das celebridades televisivas, isso é o que vale. Não sei se são felizes, mas se esforçam para manter a pose, a qualquer custo, mesmo que seja numa cabeça-de porco.

Eu morei por muitos anos na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, mas era numa favela, e mesmo não sendo uma cabeça-de-porco, era um lugar sofrível. Nem por isso deixava de desdenhar de quem morava "prá lá prá cima", ainda mais se fosse na Baixada Fluminense (que é um caso à parte!). Jacarépaguá? Manempensar! Lugar longe, quente, cheio de suburbanos. Eu morava na zona sul, perto da praia e das celebridades e seus cachorrinhos.  Mas não era feliz.  Isso não significa que todo mundo que mora em favela não seja feliz.  Também conheço gente que não troca de lugar, não quer sair da favela onde mora porque é feliz assim, até porque hoje em dia o que não faltam são casas enormes com vistas para o mar.  Nas favelas. E tem aquelas pessoas que, mesmo em condições financeiras para morar na zona sul, e ainda que saiam do lugar onde viveram quase a vida toda, têm orgulho de suas raízes, como Zeca Pagodinho e sua  amada Xerém, que fica na Baixada Fluminense (que é um caso à parte!). 

Todo mundo tem uma dose de bairrismo dentro de si, mesmo que pequena. Por mais caído que o seu bairro seja, a pessoa irá defendê-lo.  Claro, há exceções.  Pergunte a quem tem que pegar um Japeri-Central às 5 da manhã se não gostaria de ir morar na Barra da Tijuca (porque Ipanema já é demais, né)? Não, não sou tão ingênua assim, porque existem lugares, bairros, áreas em que as pessoas sofrem com tudo.  Ou, pior, com a ausência de tudo: transporte, lazer, segurança, água, luz, hospitais.  É uma coisa.  E tem outro detalhe: apesar do nome, bairrismo também serve para cidade, estado e país! É uma coisa mesmo.

Claro que, como falei acima, é na zona sul DAQUI que encontramos mais facilidades: os melhores shoppings e lojas descoladas, supermercados, museus, teatros, cinemas, restaurantes sofisticados e pseudo-botecos, eventos culturais e sociais, áreas de lazer, parques. E as praias, que são o ponto alto de tudo isso. Porque muitos da classe intelectual e formadora de opinião moram na zona sul, então, nada mais "normal" do que se voltar as atenções e os investimentos para essa área urbana.  Enquanto isso, os subúrbios - e aí tanto faz que seja a zona norte ou oeste - padecem pela falta de atrativos para seus moradores.  Com exceção das escolas de samba, que  na maioria das vezes só recebem a elite-zona-sul no período do carnaval, essas áreas da cidade quase nunca são lembradas, principalmente por quem governa.  E olha que eu nem citei a Baixada Fluminense, que é um caso à parte?

Parque Madureira - 2012




Imagem do topo da página: Detalhe do mapa "Planta da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro com suas fortificaçoes" de João Messé, 1713, mostrando a muralha do Rio de Janeiro, do Morro do Castelo ao Morro da Conceição. Fonte: http://serqueira.com.br/mapas/muro1.htm