O Tráfico, a Condenação e a Mãe

O texto é longo, mas achei muito interessante e destaquei as partes que mais me chamaram a atenção.  Se pudermos, como mães, extrair alguma lição, a leitura já será válida.
Trata-se do caso de dois brasileiros presos na Indonésia por tráfico de drogas, cuja pena para esse crime naquele país é assim mesmo, radical.  Se serão, efetivamente, executados, só Deus sabe, mas que fique registrado um pouco da vida que tiveram, das escolhas que fizeram e - sei lá, pode ser - das orientações que receberam, ou não, da família.


Brasileiro condenado à morte na Indonésia por tráfico de drogas será executado agora em julho

(Publicado no Jornal Já, em 22 de junho de 2012, por Elmar Bones)

Marco Archer Cardoso Moreira, o brasileiro condenado à morte em Jacarta (Foto: Reuters)

A Indonésia anunciou que o brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira, que foi condenado à morte no país em 2004 por tráfico de cocaína, será morto por fuzilamento, de acordo com o jornal local Jakarta Post. A execução deverá ser no começo de julho.

Em entrevista à publicação no último dia 20, o procurador Andi DJ Konggoasa anunciou que as execuções de três imigrantes condenados, entre elas a do brasileiro, acontecerão no começo de julho deste ano.

De acordo com a publicação, os três prisioneiros escolheram seus pedido finais: Marco quis uma garrafa de uísque.

Outro brasileiro

Além de Archer, outro brasileiro também está preso por tráfico de drogas na Indonésia. O surfista Rodrigo Gularte, 39, foi detido em 2004 portando 6 kg de cocaína e condenado à morte no país no ano seguinte.

Ele e Archer são os únicos brasileiros condenados à execução no mundo.

Gularte, que levava a droga em uma prancha de surf, perdeu todos os recursos possíveis na Justiça – o último, em 2011- e sua única chance de evitar ser fuzilado é obter o perdão do presidente indonésio.

NA BALADA DA MORTE

Em 2005, o enviado especial do  Jornal JÁ, Renan Antunes de Oliveira, esteve em Jacarta e mandou a seguinte matéria sobre o brasileiro condenado à morte:

Rodrigo Muxfeldt Gularte, outro brasileiro condenado por tráfico na Indonésia (Foto: AP)

Ainda não caiu a ficha do paranaense Rodrigo Muxfeldt Gularte, 32 anos, nem a do carioca Marco Archer Cardoso Moreira, 43, os dois brasileiros condenados à morte na Indonésia por tráfico de cocaína. No dia 17 de fevereiro de 2005, Marco perdeu o último apelo à Suprema Corte, dependendo agora de um improvável perdão presidencial para ser beneficiado com prisão perpétua. O presidente Lula pediu ao seu colega indonésio clemência em favor do condenado.

Durante quatro dias de entrevistas na cadeia de Tangerang, eles deram muitas gargalhadas relembrando suas aventuras. Os dois não estavam nem aí para a possibilidade de enfrentar o Criador, via pelotão de fuzilamento, ou passar o resto de suas vidas presos nos cafundós da Ásia. Se sentem como se tudo fosse apenas uma bad trip.

Eles confessaram ser traficantes tarimbados. E demonstraram, sim, algum arrependimento, mas só por ter embalado mal a droga que levavam em seus equipamentos esportivos, permitindo a descoberta pela polícia. Ela pegou Rodrigo com seis quilos escondidos em suas pranchas de surf, em 2004. E Marco com 15 na sua asa delta, em 2003.

Os dois homens que hoje dividem a mesma cadeia chegaram lá por trajetórias diferentes no mundo das drogas. Rodrigo foi mais usuário do que traficante, começou cheirando solvente aos 13 anos. Marco entrou no tráfico aos 17, já no topo da pirâmide, diretamente com os cartéis colombianos. Ambos fizeram várias viagens bem-sucedidas para muitos países, antes de se danarem no aeroporto da capital Jacarta, portão de entrada para se chegar na ilha de Bali, o paraíso dos pirados.

Os dois faziam parte de gangues diferentes. Na cadeia, formaram um laço instantâneo. Ficaram amigos ao ponto de dividir prato e colher. Suas afinidades: não terminaram os estudos, jamais trabalharam, sempre foram sustentados por outros, exploraram as famílias, viveram só pras baladas.

Proteção materna

As mães deles – mulheres sofridas, esperançosas e guerreiras – estão em campanha pela liberdade dos “garotos”, como elas e parte da imprensa tratam os dois barbados. Depois de gastarem os tubos com eles, estão raspando os cofres para resgatá-los. Na falta de uma boa causa além do incondicional amor de mãe, usam a bandeira do repúdio à pena de morte, de forte apelo na fatia esclarecida da humanidade.

Dona Clarisse, de Rodrigo, mobiliza o Itamaraty para proteger o seu. Dona Carolina, de Marco, obteve da Câmara de Deputados o envio de um apelo de clemência ao parlamento indonésio. A proposta, do deputado Fernando Gabeira, foi aprovada em plenário com apenas um voto contra, do deputado Jair Bolsonaro, um ex-militar linha-dura que há décadas luta pela adoção da pena de morte no Brasil.

Os diplomatas brasileiros em Jacarta trabalham nos bastidores para reverter as sentenças. Estão confiantes que vai dar certo. Notam a moleza do sistema porque só um traficante foi executado até hoje, dos 30 condenados sob as duras leis antidrogas indonésias de 2000. Era um indiano pobretão.

Pela expectativa otimista deles será possível reduzir a pena de Rodrigo para prisão perpétua, em segunda instância, negociando em dinheiro uma redução maior ainda na terceira, para 20 anos, com soltura em sete, talvez 10 – é sabido que o Judiciário indonésio adota uma regra não escrita de trocar tempo de encarceramento por uma pena pecuniária.

Eles admitem que no caso de Marco, já sentenciado em última instância, vai ser mais difícil. Será preciso om perdão presidencial apenas para reduzir de pena de morte para prisão perpétua, e depois negociar a saída. É que ele se tornou uma causa célebre porque fugiu do aeroporto quando foi descoberto com a droga, protagonizando uma caçada policial acompanhada em rede nacional de tevê.

Os custos para dar jeitinho nas sentenças e as despesas para manter os dois em celas cinco estrelas podem chegar a quase 200 mil dólares por cabeça. Dona Clarisse tem até mais para salvar Rodrigo; dona Carolina anda passando o chapéu. O desenrosco deve ser demorado: na melhor das hipóteses seus garotos voltariam pra casa entrados em anos, um quarentão, outro cinquentão.

Agora o quadro sinistro: o fuzilamento do indiano pobretão, ocorrido em fevereiro, sinaliza uma mudança perigosa para os sonhos de liberdade dos brasileiros – a de que só dinheiro já não adianta mais.

É que a execução saiu por insistência do general durão, chefe da agência antidrogas deles. O homem está ‘‘hukuman berta bagi pembana narkotik’’. É isso mesmo: punindo severamente o narcotráfico.

General durão Togar Sianipar, chefe da agência antidrogas da Indonésia: prometeu acabar com as drogas no país até 2015
“Morte aos cristãos”

O povão muçulmano o apoia. No tribunal, durante o primeiro julgamento de Rodrigo, em fevereiro, a plateia pedia ‘‘morte aos traficantes ocidentais cristãos’’, descrição na qual se encaixam os dois brasucas. O pedido da massa deixa o governo firme para rejeitar as campanhas internacionais por direitos humanos, livre de dúvidas existenciais sobre a pena de morte.

O modelo prende e mata já deu certo na política, em 1965, quando o país se dividia entre esquerda e direita. Em quatro meses, o presidente-general Suharto implantou o capitalismo fuzilando quase um milhão de comunistas.

Esta tradição não parece assustar os brasileiros sentenciados ao fuzilamento. Nos momentos de maior delírio eles já se enxergam, Marco em Ipanema e Rodrigo nas praias de Floripa, contando aos amigos como se livraram da fria.

Rodrigo sonha que políticos influentes amigos da mãe vão pressionar Lula para que ele interceda oficialmente a seu favor, pedindo clemência ao presidente indonésio. Marco anda tão avoado que até já encomendou de Casemiro, um amigo no Rio, o último modelo de asa-delta.

Paradoxalmente, a prisão é o momento de glória de suas vidas: “Somos os únicos entre 180 milhões de brasileiros”, diz Rodrigo, deslumbrado com a notoriedade obtida com o narcotráfico – cujo pico de audiência é entre jovens ricos praticantes de esportes radicais.

Eles acreditam nas chances de transformar o limão numa limonada. Estão com tudo pronto para botar um diário na internet. Planejam contratar videomakers para acompanhar seus dias. Negociam exclusividade na cobertura jornalística, começaram a escrever livros com a experiência.

Uma benção para os planos de libertação foi o tsunami que arrasou uma zona pobre da Indonésia: familiares e diplomatas contabilizam cada avião brasileiro de ajuda humanitária como um ponto para a futura negociação. O Itamaraty espera que os indonésios considerem isso na hora de analisar o pedido de clemência feito por Lula.

Mordomia na prisão

Enquanto esperam, os dois compram privilégios para viver como marajás na cadeia – ambos estão com o cordão umbilical ligado nas contas bancárias das mães: “Aqui é como numa pousada, muito legal, só que jogaram a chave fora”, diz Rodrigo, satisfeito, mesmo sendo acostumado ao conforto de sua suíte com sauna, na casa da família, em Curitiba. Marco também não resmunga, mas sente saudades dos apês na Holanda, EUA e Bali.

Enquanto os 1300 presos muçulmanos estão amontoados em 10 por jaula, cada um dos brasileiros tem sua cela. E elas estão equipadas com TV, ventilador, geladeira, forno elétrico, som pauleira. No jardim privativo criam pássaros, podam bonsais, alimentam os peixes do laguinho, cuidam da gata Tigrinha.

Rodrigo e Tigrinha: mordomia de uma pousada, mas que jogaram a chave fora (Foto: Renan Antunes de Oliveira)

O serviço é excelente: presos pobres fazem a faxina, lavam as roupas deles, são garçons nas festas, cabeleireiros, pedicures. Os dois podem receber gente sem formalidades, todos os dias. Rodrigo já foi visitado pela família, pela namorada, a empresária carioca Adriana Andrade, e pelo parceirão Dimitri “Dimi” Papageorgiou.

Dimi é outro garotão com mais de 30, carioca de pais gregos, acusado de ser líder da quadrilha contratante do malfadado transporte das pranchas recheadas de coca. Apareceu na cadeia para ver seu mula Rodrigo, deu 2 milhões de rúpias para ele se virar, dinheirama que vale só 500 pilas. Mas agora Dimi não vai mais poder ajudar: ele foi preso, em fevereiro, pela Polícia Federal, no Brasil – aquelas rúpias dadas a Rodrigo poderão lhe fazer falta.

Marco recebeu a visita de amigos de Bali e de uma senhorita conhecida apenas como ‘Dragão de Komodo’, sua namorada indonésia. A moça também é sentenciada, está na área feminina da prisão. Dona Carolina já esteve com ele duas vezes, a última no niver, em outubro, quando deu uma festinha com brigadeiros e refris – depois, tirou uma soneca na cela do filho.

Dona ‘Carola’ é funcionária pública aposentada, superdescolada. Conquistou a simpatia dos carcereiros de Marco com seu ‘show do milhão’. Foi assim: cansada do assédio deles por dinheiro para cigarros, ela trocou 1 milhão de rúpias em notas de 10 mil (quase R$2,50) e saiu pelo pátio jogando as cédulas para o alto. Guardas e presos lutaram para recolher a mixaria.

Mais showtime na cadeia: os dois recebem suas visitas íntimas no sofá da sala do comandante. De vez em quando pinta um ecstasy. E nas noites quentes rola até um chopinho gelado, cortesia de um chefão local, preso no mesmo pavilhão. Lá, a balada não para nunca.

A comida é tudo de bom. Marco tem curso de chef na Suíça, dá show na cozinha. Na semana passada seu cardápio incluía salmão, arroz à piemontesa, leite achocolatado com castanhas para sobremesa. O fornecedor dos alimentos é Dênis, um ex-preso tornado amigão. Ele pega a lista por celular e traz tudo fresco do Hypermart.

Marco: comida "tudo de bom" (Foto: Renan Antunes de Oliveira)

Quando o amigão está ocupado e a geladeira vazia, Marco chama a cobrar a mãe no Rio, que liga pra mãe de Rodrigo em Curitiba, que aciona a Embaixada, que despacha um chofer pra garantir o fome zero da dupla.

Como Tangerang é uma prisão provisória, nos arredores de Jacarta, Rodrigo e Marco estão como naquela piada da hora do recreio no inferno. O secretário do diabo pode anunciar o fim dos privilégios a qualquer momento. Pior do que o fogo será a transferência deles para o Carandiruzão de uma remota ilha no Sul, onde serão misturados com 10 mil presos muçulmanos: aí será bom começarem a rezar para Alá.

Sempre otimistas, já têm planos para tentar se refazer lá embaixo. Rodrigo bola um jeito de demonstrar sua habilidade em pesca submarina, para presentear peixes ao comandante da nova cadeia e conquistar sua amizade.

Difícil saber como é que lhe ocorreu uma ideia destas. Mas é fazendo planos absurdos como esse que eles passam os dias. As baladas da cadeia, o papo encorajador das famílias, o apoio dos diplomatas e a expectativa de que suas ações possam ficar impunes dão um tom surrealista pra todas conversas deles.

Num papo, Rodrigo revela sua crescente admiração pelo companheiro, já o acha até injustiçado. “Marco teve uma vida que merece ser filmada”, exalta, contando ter oferecido um roteiro sobre o amigo à cineasta curitibana Laurinha Dalcanale. “Ele fez coisas extraordinárias, incríveis.”

O repórter pede um exemplo de tal obra. “Ué, viajou pelo mundo todo, teve um monte de mulheres, foi nos lugares mais finos, comeu nos melhores restaurantes, tudo só no glamour, nunca usou uma arma, o cara é demais.”

Menos, Rodrigo, menos.

Ele pára alguns segundos, reflete um pouco. Sai devagar do deslumbramento com as vantagens do narcotráfico sobre um emprego comum. Muda o tom e pede ajuda: “Por favor, brother, quando você for escrever, dê uma força, passe uma imagem positiva nossa, pra ajudar na campanha”.

Então diga lá o que você vai fazer quando for solto: “Bota aí que eu quero trabalhar 10 anos pro governo dando palestras pra crianças sobre a roubada que é o tráfico”.

Ele diz e saboreia o efeito das palavras. Traga seu Marlboro, acaricia Tigrinha. Parece sério, joga a fumaça pra cima. Quando solta tudo, o corpo já está se chacoalhando. É que ele não conseguiu conter o riso.

Vou sair dessa”
 
Seu último desejo: voar mais uma vez em São Conrado

Marco Archer já esperava ter a pena de morte confirmada no Supremo Tribunal indonésio, como ocorreu. Sua única esperança agora é um apelo do Itamaraty ao presidente indonésio por clemência. Isto lhe pouparia a vida, mas o deixaria para sempre na cadeia. A execução ainda pode demorar cinco anos.

Quem é Marco? Um carioca, com o apelido chinfrim de Curumim. Ele cresceu classe média na Ipanema dos ricos. Queria ser um deles. Em 80, aos 17 anos, foi à Colômbia disputar um campeonato de asa delta. Voltou campeão, mas mordido pela mosca azul do narcotráfico: sacou como ganhar dinheiro fácil.

“Alguém no hotel me deu uma caixa de fósforos com cocaína. Depois da primeira viagem, nunca fiz outra coisa na vida, tenho mais de mil gols”, exagera.

Ele conta que serviu de mula no Hawai, Nova York, Europa toda. “Fazia viagens rentáveis, ficava meses sem trabalhar.”

Na cadeia, Marco passa horas olhando fotos amassadas que guarda numa imunda pasta preta. São recuerdos de suas viagens, de belas mulheres, de carrões e barcos: “Não posso me queixar da vida que levei”.

Orgulha-se: “Nunca declarei imposto de renda, nem tive talão de cheque, não servi ao Exército. Só votei uma vez na vida. Foi no Collor, amigo da família”.

Com o dinheiro do tráfico, Curumim manteve apartamentos em três continentes, abertos pra patota da asa delta, do surf, da vida boa: “Nunca perguntaram de onde vinha meu dinheiro”.

Marco conta que saiu do Brasil para morar em Bali há 15 anos, “cansado de ver meu irmão (Sérgio) bater na minha mãe para obter dela dinheiro pras drogas”. O irmão morreu de overdose em 2000, mas a estas todas ele tinha tido seu infortúnio: em 1997 caiu da asa, sofreu várias fraturas.

Dali pra frente sua atividade de mula de drogas diminuiu, as contas de hospitais cresceram. Ficou quase dois anos sem andar, até conseguir se recuperar. Hoje anda com dificuldades, com as pernas cheias de pinos de metal.

Pra decolar outra vez na vida boa ele preparou aquele que seria seu último golpe, faturar 3 milhões e 500 mil dólares inundando Bali com cocaína.

Foi ao Peru, pegou 15 quilos com um fornecedor, por uma bagatela, cerca de 8 mil dólares o quilo (dinheiro que ele obteve com um chefão americano, com quem dividiria os lucros da operação).

Marco meteu a droga nos tubos de sua asa delta. Saiu de Iquitos, no Peru, para Manaus, pelos rios da Amazônia. “Eu me misturei com turistas americanos e nunca fui revistado”, gaba-se. De lá embarcou para Jacarta: “Tava tudo pronto pra ser a viagem da minha vida”.

No desembarque, mete o equipamento no raio x. A asa de Marco tinha cinco tubos, três de alumínio e dois de carbono. Este é mais rijo e impermeável aos raios: “Meu mundo caiu por causa de um guardinha desgraçado”.

Como foi: “O cara perguntou porque a foto do tubo saía preta. Eu respondi que era da natureza do carbono. Aí ele puxou um canivete, bateu no alumínio, fez tim tim, bateu no carbono, fez tom tom”.

O som revelou que o tubo estava carregado. Foi o fim de uma bem-sucedida carreira de 25 anos no narcotráfico.

Marco ainda conseguiu dar um desdobre nos guardas. Enquanto buscavam as ferramentas, ele se esgueirou para fora do aeroporto, pegou um prosaico táxi e sumiu – ajudado pelo fato de falar fluentemente a língua bahasa.

Estava com tudo pronto para escapar no iate de um amigo milionário, mas aí azar pouco é bobagem. Um passaporte frio que ele tinha foi queimado por um cúmplice que também fugia da polícia.

Depois de 15 dias pulando de ilha em ilha no arquipélago indonésio – estava tentando chegar ao Timor do Leste –, passou sua última noite em liberdade num barraco de pescador, em Lombok.

Acordou cercado por um esquadrão policial, armas apontadas. Suplicou em bahasa, tiveram misericórdia dele.

Na cadeia esperando a execução, procura levar seus dias na malandragem carioca, na maior paz com os carcereiros, sempre fazendo piadas, cozinhando-lhes pratos especiais.

Acabou pro Curumim? “Vou fazer tudo para continuar vivo e sair dessa”.

Nas drogas desde os treze

Rodrigo nasceu em Foz do Iguaçu. É neto de latifundiário produtor de soja, filho de mãe milionária, dona Clarisse. O pai é um médico gaúcho de Santana do Livramento, Rubens Borges Gularte.

Aos 13, já em Curitiba, Rodrigo começa nas drogas, cheirando solventes. “Era um garoto maravilhoso, a alegria da família, nunca levantou a voz”, isso é tudo o que a mãe lembra dele naquela época.

Com 18 é preso fumando baseado no parque Barigui. O pai queria deixar que ele fosse processado. A mãe não concorda, suborna um delegado com mil dólares pra soltar o garoto: “Se fossem prender todos que fumam”, justificou dona Clarisse.

O garoto ganha seu primeiro carro. Bota amigos dentro e sai pela América Latina como um Che Guevara mauricinho, bebendo e se drogando. “Fiz cada loucura”, lembra.

Aos 20 Rodrigo era um rapaz de 1,84m, magrão, modos educados, cheio de namoradas. Teve um breve romance com a professora catarinense Maria do Rocio, 13 anos mais velha, fazendo Jimmy, hoje com 12, autista. Raramente via o filho: “Eu não estava preparado para a paternidade”, admite.

Rodrigo passa a viajar muito e pira total: “Em Marrocos, fumei o melhor haxixe”. No Peru: “Coca da pura”. Na Holanda: “Ecstasy de primeira”.

Aos 24, sai bêbado e drogado de uma festa. Bate o carro num táxi, tenta fugir, bate noutro, abandona tudo e corre pra casa da mãe. Ela dá uma volta na polícia, chama um médico, interna o garoto.

Na ficha de internação, o médico João Carlos anota: “Mostrou onipotência, estava depressivo”.

Nos anos seguintes a mãe fez de tudo para ele dar certo. Abre para Rodrigo uma creperia, em Curitiba. Não deu. Uma casa de massas, em Floripa. Não deu. Mandou pra fazenda. Não deu. Rodrigo vai estudar no Paraguai. Não deu. Ele se matricula na UFSC. Não deu.

Rodrigo começa no tráfico: “Fiz várias viagens à Europa só para trazer skunk”, confessa.

“Se ele fazia isso, não sei onde metia o dinheiro, porque nunca tinha um tostão”, rebate a mãe.

A prisão: “Os carinhas me deram as pranchas com cocaína dentro. Embarquei em Curitiba, onde o raio x é ruim, pra desembarcar em Jacarta”.

O narco também não deu certo.

Agora ele se lamenta: “Só depois soube que os japoneses doaram um raio x potente pros indonésios, eles pegaram a droga”.

Rodrigo filosofa: “Meu erro foi a coca. O skunk é energia positiva, o ecstasy dá um barato legal, mas a cocaína é do mal”.

Um desabafo: “Se a parada tivesse dado certo eu estaria surfando em Bali, cercado de mulheres”.

Seu futuro: esperar as negociações do Itamaraty e tentar reduzir a pena em segunda instância.

Uma novidade: ele está namorando firme. Com uma menina indonésia, caixa de um supermercado, prima de um condenado. Ela entrou para visitar o parente, os dois se pegaram no olhar. Ele foi no primo, soltou um plá, consegui atrair a menina.

Ela vem uma vez por semana, Rodrigo dá uns amassos nela, na sala do comandante.

Muito fácil condenar quando não é nosso filho. Por outro lado, não sei, realmente, se todas nós, mães, não teremos capacidade para nos tornarmos uma "mãe Clarisse", que parece que, na ânsia de proteger seu filho, errou mais do que acertou.

Filhos são uma caixinha de surpresas, nem sempre agradáveis, mas também não são resultado do ocaso, do destino, do nada.  Temos, sim, responsabilidade sobre o que serão, mesmo que tudo o que fizermos dê mais errado do que certo.



Arroz de Palma

Família Cattapreta - Fonte: http://cambuka.blogspot.com.br/2008/10/familias-cambuquirenses.html

Recebi esse trecho do livro Arroz de Palma, de Francisco Azevedo. Agradeço a estimada Ana Paula por tê-lo me enviado e gostaria de compartilhá-lo aqui.



Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema... Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir... Mas a vida... sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite.

O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano, quem diria? Solou, endureceu, murchou antes do tempo.

Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante. Aquele, o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente... Já estão aí? Todos? Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola. Não se envergonhe de chorar.

Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza. Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco. Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa.

Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto: é um verdadeiro desastre. Família é prato extremamente sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido. Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher.

Saber meter a colher é verdadeira arte. Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora errada. O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão.

Não existe Família à Oswaldo Aranha; Família à Rossini, Família à Belle Manière; Família ao Molho Pardo (em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria). Família é afinidade, é à Moda da Casa. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito. Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as que não têm gosto de nada, seria assim um tipo de Família Dieta, que você suporta só para manter a linha.

Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.

Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia. A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança.

Principalmente na cabeça de um velho já meio caduco como eu. O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie.

Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro.
Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete.



A gente sabe muito bem que "família doriana" não existe. Existem algumas que são mais equilibradas, outras, muito disfuncionais.  E também existe a diferença entre ter família e parentes.

Há pessoas que descendem de famílias que, apesar de seus diversos temperos, no final, sempre se harmonizam, às vezes com um uma pitada a mais de pimenta ou com uma pitada a menos de sal, mas se equilibram.

E há quem tenha apenas parentes.

Quando uma criança chega numa família cheia de temperos, ela vai ser mais um condimento que, com o tempo, irá adicionar o seu gosto e odor aos seus demais sabores.

Quando uma criança chega para quem só tem parentes, creio que ela venha, talvez, para trazer um gosto todo especial e encher outras vidas de cheiros, temperos e sabores.  

Foi isso que Davi trouxe para minha vida: um novo cheiro e um sabor deliciosos e talvez uma chance de ter, ao final, uma família bem temperada. 



Fiocruz

As torres ainda estão sob reforma
Como muita gente sabe, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é uma instituição pública que promove a saúde e um dos seus principais objetivos é a pesquisa e formulação de vacinas.   Seu nome é uma homenagem ao bacteriologista Oswaldo Cruz, que foi um dos grandes incentivadores da vacinação pública no início do século passado, pois abraçou a causa da vacinação em massa, contrariando a população e até o Governo da época.  Enfim, foi um grande homem e cidadão brasileiro, que contribuiu para que o nosso país se destacasse mundialmente no quesito vacinação, como já abordei neste post.


O prédio da Fiocruz - na verdade, um castelo (mesmo!) - fica em frente à Avenida Brasil (também conhecida como avenida ziquizira) e se destaca pela sua arquitetura marroquina e pela bela iluminação à noite. Sua área é bastante arborizada e simplesmente enorme, apesar de ficar bem pertinho da Refinaria de Manguinhos, que se esforçam em preservar o meio ambiente e educar as pessoas no cuidado com as coisas boas que a natureza pode nos ofertar.   Nos dias de campanha de vacinação, a Fiocruz é um dos principais postos e organiza uma festa muito legal para a criançada.  E foi para lá que resolvemos ir no último sábado, um dia que eu posso resumir como "perfeito" (apesar de a minha máquina fotográfica tentar estragar a festa!).

Céu azul e temperatura maravilhosa, levamos Davi não somente para ser vacinado, mas também para curtir as atrações que lá aconteciam.  Eu já tinha vontade de ir em anos anteriores - e não me lembro por quê não fui - mas digo a quem mora no Rio de Janeiro: da próxima vez, VÁ!  Mesmo se a sua criança não tenha mais idade para ser vacinada, não perca essa oportunidade, não só porque é di grátis mas também porque há várias atividades que despertam a curiosidade e agregam informação, o que  nunca é demais. 

Vacina eu tiro de letra!
Assim que chegamos, Davi abriu um bocão, querendo colo e colo, como sempre, e aí nessas horas, como eu não tenho um tico de paciência, ele se resolveu com o pai.  Assim que se acalmou, fomos em direção ao local onde estavam aplicando a vacina, e nesse quesito ele sempre se comportou muito bem.  Assim que a criança é vacinada, recebe um kit de lanchinho, com maçã, suco, biscoito e batatinha frita.   E na medida que meu neguinho se soltava, começava a se interessar pelas atividades que eram oferecidas.


Teve "tatuagem"







Teve "Abraço Grátis", mas Davi não quis....


Davi viu de perto alguns insetos e reconheceu o bicho-pau, que também é personagem do filme "Vida de Insetos"







Teve Oficina de Desenho






Teve apresentação do grupo "Dançando para Não Dançar", que é formado por bailarinos e bailarinas de várias comunidades. A gravação ficou uma belabosta, porque além de ter sido em máquina fotográfica, eu ficava vigiando o Davi para ele não se esborrachar numa escadaria que fica em frente ao castelo e que serviu para a "platéia" se sentar.  Foi muito fofo ver aquelas meninas (e menino) dançando tão graciosamente...pelo menos estão fazendo uma coisa saudável, ao invés daquela nojeira chamada funk!

Teve fotos com o Ratão e com a D. Barata.  Ok, na festa, pode!



(Acho que a Dona Barata era Seu Barato...)


 Teve orientação de escovação dental (acho que é esse o nome...)



E, claro, teve foto oficial com o Zé Gotinha...



E ao vivo e em definitivo também!




Teve bola, bala, balão, pipoca, picolé...




E uma criança que se acabou de tanto curtir!



Missão cumprida! Criança vacinada e cansada de tanto brincar.  Nem preciso dizer que na próxima edição estaremos lá, né.  E, mais uma vez, quem tiver a oportunidade, vá e aproveite, porque é muito bom. 

Mãe Biônica

Existem pessoas que vivem dizendo que sentem saudades dos "velhos tempos", da época em que o leite fresquinho e sem água que era entregue na porta de casa, das frutas e legumes que eram cultivados nos fundos do quintal, do galinheiro que fornecia ovos enormes e galinhas gordas, das serestas ao luar.

Só que, como são as coisas da vida, esses "velhos tempos" não eram tão fáceis assim, principalmente para as mulheres.  Tudo era feito em casa, a começar pelo parto, que era natural, sem anestesias, com parteiras.  Da manteiga até a galinha na panela, tudo era manual, doloroso e trabalhoso.

O destino das mulheres já era previamente traçado: saíam das garras de seus pais e iam para as dos maridos, muitas vezes previamente escolhidos.  Nessa jornada, tinham que se preparar no crochê, nos bordados e nas panelas.  E passar a maior parte da vida tendo filhos, muitos filhos, muitos e muitos, já que o controle de natalidade passava, no máximo, pelos cálculos da velha tabelinha, que muitas vezes dava errado, e aí, vinham mais e mais filhos. Por causa de tantas dificuldades, às vezes eu não consigo entender como ainda alguém sente saudades desses tais velhos tempos.  Só se for saudades do leite, dos legumes e frutas orgânicos - cujo preço hoje é um absurdo - e da galinha gorda.  Só.

Mas depois que a mulher começou a ser dona do próprio nariz, saiu das barras do pai e do marido e foi ganhar a vida, ser independente, queimar soutiãs (que eu tenho certeza que não eram da Victoria's Secret), tomar pílula e decidir fazer o que quisesse. E decidir quando e quantos filhos quisesse ter.  E eis que chega uma geração de moças não muito prendadas, que não têm muito jeito ou tempo para crochês, tricôs, panelas e vassouras.  E essa geração, dona do seu próprio nariz, muitas vezes tem que dividir as despesas do lar com o companheiro e, por suas próprias razões, resolve colocar seu(s) filho(s) numa creche, em tempo integral ou não.  E para muitas (eu?), isso é o começo das dores da culpa, já que não terão a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento de suas crianças. Ai, meus sais....

No geral, a creche resolve duas questões básicas: cuida e inicia a criança no aprendizado escolar.  A depender da instituição - e a cada dia as creches estão mais parecidas com uma universidade de grande porte - a criança é introduzida às primeiras letras e números, línguas estrangeiras, informática, atividades físicas e a  moderníssima conscientização ambiental. Tudo isso entre algumas mamadas, sonecas, refeições, banhos e trocas de fraldas (e é aí que eu penso que quem trabalha em creche tem que ter dom, praticamente um chamado divino, uma missão na Terra, porque cuidar de criança com toda essa bagagem é muita responsabilidade e requer muita, mas muita paciência).

E como eu já falei por aqui e não me canso de repetir, creche sempre foi meu objetivo quando tivesse filho.  Mesmo que não trabalhasse fora, eu tenho certeza de que colocaria o Davi numa creche, mesmo que só uma parte do dia.  

Por um lado eu fico tranquila porque eu vejo os resultados desse investimento (que não tem sido barato): a cada período recebo em casa uma pasta contendo os trabalhos do Davi: Matemática, Estudos Sociais, Inglês, e vejo seu desenvolvimento na fala e na compreensão das coisas.  Por outro lado, me sinto frustrada porque não sou a grande responsável por muitas dessas coisas e penso que as mães de outros tempos, daqueles "velhos tempos", talvez fossem mais heroínas do que as de agora, já que, além de tudo o que tinham que fazer, ainda tinham que educar os filhos.

Davi entrou na fase do desfralde, e eu andei sabendo por aí que ele tem usado mais cuecas do que fraldas na creche.  Quando sente vontade de fazer xixi, pede para a tia mais próxima, apertando o piu-piu como sinal de sua necessidade.  Não testemunho absolutamente nada disso, até porque, nos fins de semana, ele fica de fraldas o tempo todo e nem pensa em pedir para ir ao banheiro, mas já quer ficar de cuecas, mesmo por cima das fraldas.  Acho que ele já captou a mensagem, mas parece que eu é que estou comendo mosca.

Essa minha choramingação toda é para dizer que não serei a responsável pelo desfralde do Davi, pelo menos não totalmente.  Não poderei, um dia, bater no peito e dizer: "fui eu"!!!, coisa que minhas companheiras dos velhos tempos faziam com a maior naturalidade do mundo (ô, inveja)!  Por causa dessas pequenas coisas, às vezes me sinto uma mãe biônica, porque não produzo nada, ou seja, não sou a protagonista dessa fase de desenvolvimento do Davi.  Muitas coisas já chegam praticamente prontas, sem muito da minha participação.  Eu sei que é o ônus da emancipação feminina e da necessidade de se trabalhar fora, mas que fique claro que não eu não tenho a menor vontade de ter nascido em outra época, por melhor que possam ter sido os legumes, as frutas e o leite sem água. E a galinha gorda também.

Então, tudo o que me resta é colaborar um pouco com esse processo, incentivando o uso das cuecas em casa e comprando um troninho. O primeiro item já está à disposição, o segundo, a caminho, até porque eu quero escolher um troninho bem bacana - e que geralmente não custa muito barato, mas, enfim.




Portanto, eis mais um capítulo da lacrimejante novela maternal chamada Lamentações de Luciana, porque essa saga está apenas começando.  Mas....peraí...


Estudos Sociais??????????? Já????





Momentos

Não aguentei.  Tive que postar essas fotos aqui, porque são registros de momentos tão sublimes e gostosos que quis compartilhar.