Craftices: Pequena estante e a saga do betume da judéia

Uma aula magna de como fazer tudo errado seria o outro nome deste post, quando decidimos, eu e marido, fazer uma pequena estante de madeira, sem a mínima-noção-básica de marcenaria.  Então, vamos à looooooonga narrativa.

Desde que nos mudamos para o apartamento atual - e isso já tem 6 anos -, eu estive matutando um lugar onde colocar os poucos livros que tenho.  Pensei em estantes, prateleiras e nichos.  Nesse meio tempo, descobri, por exemplo, que eu não sou lá muito chegada a nichos.  Sim, gavetas são nichos, mas não gosto muito delas na composição da sala, digamos assim (sim, eu sei que eu sou enjoada....).

Daí que um dia, fomos a uma marcenaria e compramos uma peça de compensado e pedimos para que fosse cortada em prateleiras de 1,50 x 0,30 cm, o que resultou em 7 prateleiras.  O que fazer com elas?  A ideia era colocar 2 no quarto do Davi, porém, pensando melhor, achamos que não iria ficar bom.  E aí, as elas ficaram guardadas, até que tive a brilhantíssima ideia de fazer uma mini-estante para meus pobres e esquecidos livrinhos.

Medindo o espaço onde eu queria que ela ficasse, achamos melhor fazer uma estante com 1,10 de comprimento, pois não ficaria muito grande nem muito pequena, nem alta.  O "projeto" seria algo mais ou menos assim:
Essa estante seria feita com as seguintes medidas:
3 tábuas com 1,10 x 0,30 cm;
2 tábuas com 0,75 x 0,30 cm;
3 pedaços de 0,30 x 0,40 cm para servirem como divisórias.

#Erro 1#
Comprar compensado. Por que eu não comprei MDF?  Não sei, mas o que eu sei é que o compensado me deu uma sova daquelas, porque além de ter que lixar aos montes, eu tive que emassar outros montes e... sem ter necessidade dessa etapa! Com MDF eu teria apenas que passar uma lixa de leve e resolver a parada rápido.  Além disso, o compensado entorta, fica empinado, o que não acontece com o MDF.  Talvez o compensado tenha sido cortado errado e veio cheio de rebarbas.


#Erro 2#
Cortei 2 divisórias no tamanho errado, o que fez com que eu tivesse que comprar outros 2 pedaços de madeira.  Medi errado e... marido teve que cortar 1,00 cm na munheca, afinal, ainda não temos serra tico-tico (a serra utilizada era emprestada e eu já a havia devolvido ao dono antes de terminar a tarefa.  Mais um erro).

#Erro 3#
Não temos uma peça chamada "sargento", esse da figura abaixo.  Essa peça segura as quinas das peças de madeira, para formar um ângulo de 90º.

Na falta da peça, começamos assim mesmo usando a régua de nível e parafusando as peças de madeira. Achei que colocando as divisórias, a estante iria ficar firme, mas o marido insistia em dizer que precisávamos colocar um tampo nos fundos.  E eu, cabeçuda, querendo uma estante vazada....e a estante sambando prá lá e prá cá, até que, enfim, marido colocou o tal do tampo e ela parou.



Passado esse sufoco, chegou a hora mais esperada: escurecer a madeira.  Eu não queria aplicar tinta, afinal, já tenho alguns móveis na sala com cores diferentes: a mesinha amarela, a cômoda vermelha e o outro criado mudo azul.  Então, decidi utilizar, pela primeira vez in my life, o tal betume da judéia.


#Erro 4#
Usar betume não é nada difícil, muitíssimo pelo contrário.  É só diluir um pouco de betume na aguarráz na medida de 1 x 2, ou seja, 1 medida de betume para 2 medidas de aguarráz ou mais.  O betume tem que ficar bem aguado e caso não se alcance o tom desejado o ideal é passar outra(s) demão(s) até chegar onde se quer.

Passei a primeira demão e vi que o betume começou a marcar as partes onde eu havia passado a massa.  Parei tudo e resolvi passar massa corrida, o que foi uma descoberta incrível, porque a massa corrida é mais fina e seca rápido.  E depois foi lixar tudo novamente.

#Erro 5#
Na segunda vez, não diluí muito o betume, ele não ficou aguado e fui passando com trincha.  O que aconteceu?  O betume ficou muito grosso e escureceu muuuuuuuito, foi além do que eu queria.  Ficou parecendo que eu coloquei açúcar derretido e queimado na madeira.


Fui tentando tirar o excesso, pingando aguarráz na trincha, mas não deu muito certo, sem falar que, no desespero, rolou esponja e estopa, essa última deixando uns fios grudados na estante.  Quanto mais eu tentava tirar o excesso do betume, pior ficava tudo.

A varanda, os vidros, o chão, eu, tudo era uma melecância só.  Betume respingado por todos os lados e eu já querendo jogar a estante pela varanda.  Minhas mãos estavam que eram só betume e nem deu para tirar fotos, senão até a máquina fotográfica iria ficar manchada.

Todo esse processo levou uns 4 fins de semana, porque eu tinha que dividir o tempo com outros afazeres.  Não precisava de nada disso, era só lixar, passar o betume e ser feliz. 

Colocamos a estante no seu lugar, afinal, poderia chover durante a noite e nos dias que se seguiram.  A casa ficou um cheiro só de aguarráz.  E de betume, claro.


Demorou uns 4 dias para esse caldo preto secar e eu não gostei do resultado.  Falei com o marido: vou lixar tudo e começar do zero.  Mas ele, por incrível que pareça, gostou e me impediu de refazer essa doidice.  Então, fica assim mesmo.   Mesmo assim, passei a lixadeira para tirar o excesso do excesso e também para dar uma desgastada e dar um ar de envelhecido para esconder a montoeira de erros.  Para dar um toque diferente, eu encomendei pela Internet pés palitos (não achei em lojas físicas), que pintei de amarelo, para quebrar a escuridão quase total desse.... móvel.

E aí, a mini-estante ficou assim:






Depois de colocar os livros, até que não ficou tão horroroso assim, mas eu daria uma nota 6,8 para mim nessa estante. Ela até que ficou bonitinha e, não fossem os pés palitos, ficaria muito sem graça. Pelo menos agora, meus livrinhos têm um cantinho só para eles...



A diversidade e o esmalte vermelho

E daí que um dia Davi quis pintar as unhas de vermelho.  Eu perguntei o motivo, ele disse que gostava de vermelho.  Então, vou fazer o que?  Um escândalo? Não.  Nessas horas, quando curiosidades desse tipo nos atingem como um ovo na testa, temos que ter sabedoria para analisar a situação e resolvê-la da maneira mais equilibrada possível.
 
Peguei a caixa de esmaltes e pintei suas unhas.  Ele olhou, olhou e comentou: "acho que meus coleguinhas da escola não vão gostar".  Então, disse a ele que quem pinta as unhas com esmaltes vermelho (ou rosa, azul, etc) são meninas; meninos não pintam as unhas.  Eu não disse que meninos não podem pintar as unhas,  disse que meninos não pintam. Simples assim.  E daí que quando ele foi mostrar ao pai.... o pai do Davi deu um triplo twist carpado e mais três cambalhotas no ar e começou a gritar dizendo que meninos NÃO PINTAM AS UNHAAAS!!!
 
O homem ficou enlouquecido.  Eu fiquei furiosa porque ele começou a gritar com o Davi - e eu não admito que ninguém, além de mim, grite com o Davi, mesmo sendo o seu pai.  O tempo fechou.  O menino, acuado e com os dedinhos abertos com aqueles pontinhos vermelhos, ficou entre o pânico e o choro assistindo àquela cena patética.
 
Me acalmei, o pai se acalmou e começou a explicar que meninos não pintam as unhas.  "Veja, o papai não está com as unhas pintadas, porque meninos não pintam as unhas", disse, já quase chorando de arrependimento por ter feito aquele pequeno escândalo.
 
Expliquei ao pai do Davi que em determinadas situações, a gente tem que analisar qual o limite em que pode atender a curiosidade da criança.  Algumas vezes, a criança tem uma curiosidade simples e cabe a nós vermos o quanto de informação é suficiente para satisfazê-la.  Claro que para mim foi uma surpresa o fato de Davi querer pintar as unhas, depois de tanto tempo me vendo fazê-las, porém, não poderia transformar isso num circo em chamas.
 
Vamos ser honestos: claro, também, que esse tipo de comportamento, assim, de repente, desperta em nós a atenção em verificar qual a possível orientação sexual da criança, já que elas estão despertando sexualmente cada vez mais cedo.  Não podemos fugir desse nova realidade, até porque, nos dias de hoje, a questão tem sido tratada da maneira mais ampla possível, já que a nossa sociedade tem aberto espaço para a diversidade de escolha das pessoas.
 
O modelo antigo, de não se debater a questão, de fingir que ela não existe ou de condenar alguém que tem uma orientação sexual diferente da qual nasceu já não cabe mais nos dias de hoje.  Eu acredito que é função dos pais mostrarem o mundo do jeito que ele é, mas de maneira equilibrada, sem forçar a barra para um lado ou para o outro. Não é fácil, mas não cabe mais criar o filho homem para ser o macho-alfa-pegador, da mesma forma que criar a menina para ser uma florzinha indefesa e dependente.  Por outro lado, temos que estar abertos para aceitar e respeitar a opção que a nossa criança fizer no futuro - ou mesmo no presente.  
 
Mas não se engane, eu não sou tão mente aberta assim, porque eu não sei se estou tão preparada para encarar o diferente.  O que eu tento é encontrar um equilíbrio para a aceitação de uma eventual possibilidade.  O que eu espero de mim é sabedoria suficiente para não me tornar um fardo na vida do meu filho por conta daquilo que eu creio que seja o correto ou normal.
 
De uma coisa eu sei: o Davi nunca mais irá pintar as unhas de vermelho!
 
 

Ainda não fomos à consulta com a endocrinologista indicada pelo Dr. Martinelli.  Tenho curiosidade para saber qual será a sua contribuição para que o xixi do Davi não volte a ficar fino, pois o canal da uretra estreitou novamente.