Craftices: Mesinha Amarela

Na rua da padaria existe um cafofo que vende móveis velhos.  Isso mesmo, não são móveis usados ou antigos, são velhos mesmo.  Além do cheiro quase insuportável de mofo, esse lugar só tem tranqueiras.  Já entrei algumas vezes na esperança de encontrar alguma coisa que prestasse, porém, por mais complacente que tenha sido o meu olhar, a enorme maioria das coisas não presta.

Um dia, porém, indo pela manhã comprar pão com Davi, eis que me deparo com essa mesa, que havia sido colocada na calçada naquele momento.  Não deu outra: foi amor à primeira vista.  Ela olhou para mim, eu olhei para ela, mas fui adiante comprar pão,  mas com ela martelando a minha cabeça.  Na volta, lá estava ela, com um olhar triste, me pedindo desesperadamente para resgatá-la daquele pardieiro e dar-lhe uma chance de provar seu valor e sua beleza.  Não resisti e perguntei quanto custava: R$ 30,00 e resolvi dar a ela uma nova oportunidade, com uma nova casa e uma nova vida. No fundo do meu coração, eu sentia que iríamos ser muito felizes.  Isso já faz muito, muito tempo mesmo, acho que mais de 1 ano.  Ao chegar em casa, ela foi colocada num cantinho perto da mesa de jantar, e lá ficou esperando sua vez de mostrar o seu potencial.

Aí, aproveitando o feriado do carnaval, coloquei em prática esse projetinho que estava na fila e já me agoniava por causa da falta de tempo.

Primeira coisa a fazer: lixar.  Segunda coisa: lixar.  Terceira: lixar.  Essa realmente é a parte mais chata do processo, que já havia começado bem antes do carnaval, através das fabulosas mãos do SuperMarido, que sempre que tinha um tempinho, passava lá e lixava um pouco.

Aqui, ela já quase toda lixada...



O verniz da última prateleira estava para retirar. Depois eu ainda passei o streap tease, que é um removedor de tinta em gel, porque o verniz estava bem ruim de sair, pois apesar de estar em forma, ela já é uma senhora de idade.  Ah, sim, não reparem o chão do meu... ateliê (oi?).  Está uma lambuzada só de tinta...

Aqui, já com a demão de P.V.A.
Depois de passar a tinta P.V.A. branca, lixei novamente (dessa vez fui em quem lixou... aff...) para ficar o mais lisa possível  - possível mesmo - e depois comecei a pintá-la com um amarelo bem vivo e feliz que eu já tinha em casa.

Usei a terrível e antipática tinta esmalte sintético, a fedorenta, e que só sai com agarráz, mas que, a meu ver, deixa um acabamento muito bom.  A madeira estava muito seca, talvez pela sua idade já avançada. Começando pela parte interna, passei 2 demãos, com intervalo de 1 dia entre elas, ou seja, precisei de 4 dias para fazer toda a pintura da mesinha e o feriadão do carnaval veio bem a calhar, senão, eu teria que usar uns 2 ou 3 fins de semana para isso.  No caso desse tipo de tinta, não dá para economizar nos rolinhos, que foram uns 5, acho.



Depois de colar um pedacinho de feltro na ponta de em cada perna, passei um pouco de óleo de peroba e agora ela está enfeitando um cantinho da sala, juntamente com minhas pretinhas.



Confesso que existem algumas falhas na pintura e que eu deveria ter lixado mais, porque ainda tem um defeitinho aqui e outro ali.  No geral, porém, eu achei que a mesinha ficou remoçada, com esse ar jovial e sem sinais de botox.  Essa senhora é o meu xodó do momento.



Para iluminar a mesinha e as minhas pretinhas, fiz mais um abajour com a outra garrafa de licor.  Dessa vez, usei a mesma técnica que apliquei na cúpula desse abajour, com feltro vermelho e coloquei essas pétalas desidratadas e igualmente vermelhas dentro da garrafa para dar uma bossa romântica e fatal.

PORÉM..... a vizinha estava de mudanças e acabei dando o abajour como lembrança..... Então, minhas pretinhas terão que aguardar mais um pouquinho até eu encontrar outra garrafa bem bacana e fazer um novo abajour, que virou uma febre para mim.



A Melhor Idade

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As dificuldades da vida fizeram com que eu passasse boa parte da minha infância longe da minha mãe, pois sendo solteira, sem casa, sem apoio familiar, ela teve que se multiplicar para me criar.  Por causa disso, acabei morando em vários lugares, com os mais variados tipos de pessoas, o que balisou a minha insegurança e me tornou uma pessoa sedenta de afeto. Tinha na minha mãe a minha salvadora, a heroína que iria me resgatar dos maus tratos e do pouco caso das pessoas com quem morei, e que iria me levar para uma casa e um lar, onde eu receberia carinhos, beijos e muito dengo.

Mas no dia em que finalmente nos juntamos, as coisas não foram bem assim.  Com seu temperamento forte, nunca nos entendemos direito.  A convivência, desde então, foi de muita tensão, muito embate e discussões.  Ela, querendo impor sua vontade e sua opinião e eu, tentando me impor, apesar das minha fraca estrutura emocional.  Nada de beijos, dengos e carinhos mas sim, a subjetiva cobrança de  que eu "tinha que dar certo" e ser exemplar.  Cresci, então, com a ideia de que o dever vem sempre e muito acima e além de qualquer outra coisa, ideia essa que ainda permanece até hoje.

Minha mãe sempre foi uma guerreira.  Muito ativa e altiva, ao mesmo tempo em que sempre se preocupou com a estética, nunca se furtou em "brincar com as panelas", já que é uma exímia cozinheira.  Da época dos meus estudos, não me lembro de nehuma série em que tenha me faltado 1 lápis sequer, e olha que a lista de material e de livros sempre foi grande.  E cara.  Ela sempre se esmerou em suprir essas minhas necessidades.

Morando numa favela, numa época em que o clamor do consumismo não era tão gritante como hoje, não tínhamos muitos bens materiais, porém, nosso barraco de madeira se diferenciava dos demais, pois que sempre arrumado, limpo e bem cuidado.  Com o tempo, a deterioração foi se fazendo mais forte, e já adolescente, tive que trabalhar para construir um cômodo de alvenaria, pois o tal barraco insistia em ameaçar de cair sobre as nossas cabeças.  Foram tempos duros e sombrios, em que mais apliquei o princípio do dever antes de tudo, acima e além.  Com muita dificuldade consegui me formar não uma, mas duas vezes, já que uma segunda oportunidade bateu à minha porta, o que fez todo o diferencial na minha vida profissional, apesar de não ter uma pós-graduação.

Cresci ouvindo de minha mãe que seu desejo sempre foi o de ter gerado um menino e em muitas ocasiões, quando criança, ela me chamava de "meu filho".  Na verdade, isso nunca me incomodou, porque o que eu mais queria era mesmo sua atenção e seus cuidados.  Hoje, com um neto menino, creio que seu sonho tenha sido realizado, mesmo que parcialmente.

Minha mãe é uma avó clássica, daquelas que querem dar e fazer tudo o que o neto pede e tendo apenas um único neto, então toda a sua atenção se volta para ele.  Não se furta a atender aos apelos manhosos de Davi, e se não sou eu a bruxa má da história, a situação seria bem pior.  Ele, por sua parte, ainda não tem despertado o lado interesseiro que a ocasião lhe proporciona, o que lhe daria poder para chantagens emocionais, porém, quando eu ou o pai lhes dão um passa fora, é para os braços da avó que ele corre.

Passei boa parte da minha vida cuidando da minha mãe.  Me lembro que em torno dos meus 10 anos de idade ela foi operada das varizes.  Naqueles tempos bicudos e com todas as dificuldades em que vivíamos, tive que dar-lhe banhos e fazer os curativos, além de acompanhá-la às consultas.  Desde então, tenho sido uma espécie de para raios dela e há muito deixei de ser filha para ser sua responsável, apesar de seu contragosto.

Nos últimos tempos, com as restrições que a idade impõe a todos, tenho que me adaptar a conviver com uma nova realidade: cuidar de uma idosa.  Depois de algumas outras cirurgias e vários sustos que culminaram no último princípio de isquemia, minha mãe se tornou ainda mais dependente de mim. Contudo, sem abrir mão de sua altivez, ainda nos desentedemos várias vezes.  Mesmo assim, tenho tentado me adaptar aos seus limites, às suas falhas de memória, às suas limitações físicas, à sua idade. 

Quando olho para minha mãe, vejo cada vez mais fortes as marcas do tempo, das dificuldades  vividas,  das suas frustrações.  Cabelos fracos e ralos, rugas e flacidez,  movimentos mais restritos, doenças e limitações normais que a velhice traz para a maioria das pessoas normais. Imagino que para ela não esteja sendo fácil essa sua nova realidade, da mesma forma que para mim, me adaptar às suas limitações também tem sido um desafio.

Com a expectativa de vida cada vez maior, viver a velhice nos dias de hoje tem sido muito mais saudável, com muitas atividades físicas e lúdicas, com danças, teatros, além das vantagens que o Estatuto do Idoso trouxe aos nossos velhos, onde se prioriza o atendimento aos que o politicamente correto chama, h-i-p-o-c-r-i-t-a-m-e-n-t-e, de Melhor Idade. Digo hipocritamente porque não podemos ignorar que a velhice traz, sim, limitações, desconfortos e, em muitos casos, infelizmente, maus tratos e humilhações.  Acredito sim, que a maturidade e as experiências da vida podem nos fazer pessoas melhores - se quisermos, claro -, porém, fisicamente, a idade traz restrições e doenças e impõe limites dos mais variados.  Portanto, dizer que alguém está vivendo a "melhor idade" me soa muito falso, até porque ninguém quer ficar velho, essa é a verdade.

Temos que cuidar dos nossos velhos, não importa o tipo de relacionamento que tivemos com eles no passado.  Algumas pessoas não mudam jamais e quanto mais velhas ficam, mais seu temperamento se acentua.  O que nos resta, enquanto ainda somos menos velhos, é isso: cuidar, tratar, ter paciência e principalmente respeitar, deixar de lado as implicâncias, relevar algumas coisas, ignorar outras, afinal, essa realidade também chegará nas nossas vidas um dia e o que esperamos, de fato, é que nossos filhos façam conosco o que fazemos com nossos idosos. 

Mas é difícil....

Polegares, Polegares...

... onde estão, onde estão?



Estão, quer dizer, estÁ em processo de recuperação.  Uma semana com o polegar imobilizado, resultado de me apoiar na porta do trem (ô, pobreza).  Porque na hora do tumulto é mais fácil se apoiar em algo do que em alguém e aí tudo acontece muito rápido e quando a gente vê, lá se foi o dedo, a mão, a bolsa, o cabelo, o que tiver ao alcance da porta.

E como se não bastasse a mão e o dedo, a mãe ainda vai parar num CTI por causa de uma suspeita de isquemia.  Na minha vida tem sido assim: tudo-ao-mesmo-tempo-agora-AND-now!

Mas como eu ainda tenho 9 dedos não deixei a peteca cair, apesar da aparência de "creuza" que fiquei todos esses dias.  Ou seja, não há necessidade de se aposentar só porque se perdeu um dedo, como "algumas pessoas" fizeram.  Mas aí já é outra história...

Não adiantaria eu tentar processar a SUPERVIA, já que ela sempre alerta para que os usuários não coloquem as mãos na porta.  Portanto, ainda não foi dessa vez que eu iria ficar rycah e milionária, mas tudo bem.

Agora, o negócio é tentar voltar à programação normal, já que o dedo ainda não está 100% mas dá para sobreviver.   Minha mãe também voltou ao normal, porém, deverá fazer acompanhamento neurológico porque nunca se sabe quando e SE ela terá outra isquemia. Ou seja novamente,  "mulher-bomba" define.

Portanto, muita atenção com portas de trem, de elevador, de ônibus, porque no desespero de pegar a condução a gente pode acabar perdendo mais do que a hora.

Aproveito para agradecer imensamente ao meu marido Paulo Sérgio.  Ele já é um MEGA marido, mas nesses últimos dias em que vestiu a roupa de Luciana se saiu muito bem, porque a barra é pesada.