O texto é longo, mas achei muito interessante e destaquei as partes que mais me chamaram a atenção. Se pudermos, como mães, extrair alguma lição, a leitura já será válida.
Trata-se do caso de dois brasileiros presos na Indonésia por tráfico de drogas, cuja pena para esse crime naquele país é assim mesmo, radical. Se serão, efetivamente, executados, só Deus sabe, mas que fique registrado um pouco da vida que tiveram, das escolhas que fizeram e - sei lá, pode ser - das orientações que receberam, ou não, da família.
Brasileiro condenado à morte na Indonésia por tráfico de drogas será executado agora em julho
(Publicado no Jornal Já, em 22 de junho de 2012, por Elmar Bones)
Marco Archer Cardoso Moreira, o brasileiro condenado à morte em Jacarta (Foto: Reuters) |
A Indonésia anunciou que o brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira, que foi condenado à morte no país em 2004 por tráfico de cocaína, será morto por fuzilamento, de acordo com o jornal local Jakarta Post. A execução deverá ser no começo de julho.
Em entrevista à publicação no último dia 20, o procurador Andi DJ
Konggoasa anunciou que as execuções de três imigrantes condenados,
entre elas a do brasileiro, acontecerão no começo de julho deste ano.
De acordo com a publicação, os três prisioneiros escolheram seus pedido finais: Marco quis uma garrafa de uísque.
Outro brasileiro
Além de Archer, outro brasileiro também está preso por tráfico de
drogas na Indonésia. O surfista Rodrigo Gularte, 39, foi detido em 2004
portando 6 kg de cocaína e condenado à morte no país no ano seguinte.
Ele e Archer são os únicos brasileiros condenados à execução no mundo.
Gularte, que levava a droga em uma prancha de surf, perdeu todos os
recursos possíveis na Justiça – o último, em 2011- e sua única chance
de evitar ser fuzilado é obter o perdão do presidente indonésio.
Em 2005, o enviado especial do Jornal JÁ, Renan Antunes de Oliveira, esteve em Jacarta e mandou a seguinte matéria sobre o brasileiro condenado à morte:
Rodrigo Muxfeldt Gularte, outro brasileiro condenado por tráfico na Indonésia (Foto: AP) |
Ainda não caiu a ficha do paranaense Rodrigo Muxfeldt Gularte, 32
anos, nem a do carioca Marco Archer Cardoso Moreira, 43, os dois
brasileiros condenados à morte na Indonésia por tráfico de cocaína. No
dia 17 de fevereiro de 2005, Marco perdeu o último apelo à Suprema
Corte, dependendo agora de um improvável perdão presidencial para ser
beneficiado com prisão perpétua. O presidente Lula pediu ao seu colega
indonésio clemência em favor do condenado.
Durante quatro dias de entrevistas na cadeia de Tangerang, eles
deram muitas gargalhadas relembrando suas aventuras. Os dois não
estavam nem aí para a possibilidade de enfrentar o Criador, via pelotão
de fuzilamento, ou passar o resto de suas vidas presos nos cafundós da
Ásia. Se sentem como se tudo fosse apenas uma bad trip.
Eles confessaram ser traficantes tarimbados. E demonstraram, sim,
algum arrependimento, mas só por ter embalado mal a droga que levavam
em seus equipamentos esportivos, permitindo a descoberta pela polícia.
Ela pegou Rodrigo com seis quilos escondidos em suas pranchas de surf,
em 2004. E Marco com 15 na sua asa delta, em 2003.
Os dois homens que hoje dividem a mesma cadeia chegaram lá por
trajetórias diferentes no mundo das drogas. Rodrigo foi mais usuário do
que traficante, começou cheirando solvente aos 13 anos. Marco entrou no
tráfico aos 17, já no topo da pirâmide, diretamente com os cartéis
colombianos. Ambos fizeram várias viagens bem-sucedidas para muitos
países, antes de se danarem no aeroporto da capital Jacarta, portão de
entrada para se chegar na ilha de Bali, o paraíso dos pirados.
Os dois faziam parte de gangues diferentes. Na cadeia, formaram um
laço instantâneo. Ficaram amigos ao ponto de dividir prato e colher.
Suas afinidades: não terminaram os estudos, jamais trabalharam, sempre
foram sustentados por outros, exploraram as famílias, viveram só pras
baladas.
As mães deles – mulheres sofridas, esperançosas e guerreiras – estão
em campanha pela liberdade dos “garotos”, como elas e parte da imprensa
tratam os dois barbados. Depois de gastarem os tubos com eles, estão
raspando os cofres para resgatá-los. Na falta de uma boa causa além do
incondicional amor de mãe, usam a bandeira do repúdio à pena de morte,
de forte apelo na fatia esclarecida da humanidade.
Dona Clarisse, de Rodrigo, mobiliza o Itamaraty para proteger o seu.
Dona Carolina, de Marco, obteve da Câmara de Deputados o envio de um
apelo de clemência ao parlamento indonésio. A proposta, do deputado
Fernando Gabeira, foi aprovada em plenário com apenas um voto contra,
do deputado Jair Bolsonaro, um ex-militar linha-dura que há décadas
luta pela adoção da pena de morte no Brasil.
Os diplomatas brasileiros em Jacarta trabalham nos bastidores para
reverter as sentenças. Estão confiantes que vai dar certo. Notam a
moleza do sistema porque só um traficante foi executado até hoje, dos
30 condenados sob as duras leis antidrogas indonésias de 2000. Era um
indiano pobretão.
Pela expectativa otimista deles será possível reduzir a pena de
Rodrigo para prisão perpétua, em segunda instância, negociando em
dinheiro uma redução maior ainda na terceira, para 20 anos, com soltura
em sete, talvez 10 – é sabido que o Judiciário indonésio adota uma
regra não escrita de trocar tempo de encarceramento por uma pena
pecuniária.
Eles admitem que no caso de Marco, já sentenciado em última
instância, vai ser mais difícil. Será preciso om perdão presidencial
apenas para reduzir de pena de morte para prisão perpétua, e depois
negociar a saída. É que ele se tornou uma causa célebre porque fugiu do
aeroporto quando foi descoberto com a droga, protagonizando uma caçada
policial acompanhada em rede nacional de tevê.
Os custos para dar jeitinho nas sentenças e as despesas para manter
os dois em celas cinco estrelas podem chegar a quase 200 mil dólares
por cabeça. Dona Clarisse tem até mais para salvar Rodrigo; dona
Carolina anda passando o chapéu. O desenrosco deve ser demorado: na
melhor das hipóteses seus garotos voltariam pra casa entrados em anos,
um quarentão, outro cinquentão.
Agora o quadro sinistro: o fuzilamento do indiano pobretão, ocorrido
em fevereiro, sinaliza uma mudança perigosa para os sonhos de liberdade
dos brasileiros – a de que só dinheiro já não adianta mais.
É que a execução saiu por insistência do general durão, chefe da
agência antidrogas deles. O homem está ‘‘hukuman berta bagi pembana
narkotik’’. É isso mesmo: punindo severamente o narcotráfico.
General durão Togar Sianipar, chefe da agência antidrogas da Indonésia: prometeu acabar com as drogas no país até 2015 |
O povão muçulmano o apoia. No tribunal, durante o primeiro
julgamento de Rodrigo, em fevereiro, a plateia pedia ‘‘morte aos
traficantes ocidentais cristãos’’, descrição na qual se encaixam os
dois brasucas. O pedido da massa deixa o governo firme para rejeitar as
campanhas internacionais por direitos humanos, livre de dúvidas
existenciais sobre a pena de morte.
O modelo prende e mata já deu certo na política, em 1965, quando o
país se dividia entre esquerda e direita. Em quatro meses, o
presidente-general Suharto implantou o capitalismo fuzilando quase um
milhão de comunistas.
Esta tradição não parece assustar os brasileiros sentenciados ao
fuzilamento. Nos momentos de maior delírio eles já se enxergam, Marco
em Ipanema e Rodrigo nas praias de Floripa, contando aos amigos como se
livraram da fria.
Rodrigo sonha que políticos influentes amigos da mãe vão pressionar
Lula para que ele interceda oficialmente a seu favor, pedindo clemência
ao presidente indonésio. Marco anda tão avoado que até já encomendou de
Casemiro, um amigo no Rio, o último modelo de asa-delta.
Paradoxalmente, a prisão é o momento de glória de suas vidas: “Somos
os únicos entre 180 milhões de brasileiros”, diz Rodrigo, deslumbrado
com a notoriedade obtida com o narcotráfico – cujo pico de audiência é
entre jovens ricos praticantes de esportes radicais.
Eles acreditam nas chances de transformar o limão numa limonada.
Estão com tudo pronto para botar um diário na internet. Planejam
contratar videomakers para acompanhar seus dias. Negociam exclusividade
na cobertura jornalística, começaram a escrever livros com a
experiência.
Uma benção para os planos de libertação foi o tsunami que arrasou
uma zona pobre da Indonésia: familiares e diplomatas contabilizam cada
avião brasileiro de ajuda humanitária como um ponto para a futura
negociação. O Itamaraty espera que os indonésios considerem isso na
hora de analisar o pedido de clemência feito por Lula.
Enquanto esperam, os dois compram privilégios para viver como
marajás na cadeia – ambos estão com o cordão umbilical ligado nas
contas bancárias das mães: “Aqui é como numa pousada, muito legal, só
que jogaram a chave fora”, diz Rodrigo, satisfeito, mesmo sendo
acostumado ao conforto de sua suíte com sauna, na casa da família, em
Curitiba. Marco também não resmunga, mas sente saudades dos apês na
Holanda, EUA e Bali.
Enquanto os 1300 presos muçulmanos estão amontoados em 10 por jaula,
cada um dos brasileiros tem sua cela. E elas estão equipadas com TV,
ventilador, geladeira, forno elétrico, som pauleira. No jardim
privativo criam pássaros, podam bonsais, alimentam os peixes do
laguinho, cuidam da gata Tigrinha.
Rodrigo e Tigrinha: mordomia de uma pousada, mas que jogaram a chave fora (Foto: Renan Antunes de Oliveira) |
O serviço é excelente: presos pobres fazem a faxina, lavam as roupas
deles, são garçons nas festas, cabeleireiros, pedicures. Os dois podem
receber gente sem formalidades, todos os dias. Rodrigo já foi visitado
pela família, pela namorada, a empresária carioca Adriana Andrade, e
pelo parceirão Dimitri “Dimi” Papageorgiou.
Dimi é outro garotão com mais de 30, carioca de pais gregos, acusado
de ser líder da quadrilha contratante do malfadado transporte das
pranchas recheadas de coca. Apareceu na cadeia para ver seu mula
Rodrigo, deu 2 milhões de rúpias para ele se virar, dinheirama que vale
só 500 pilas. Mas agora Dimi não vai mais poder ajudar: ele foi preso,
em fevereiro, pela Polícia Federal, no Brasil – aquelas rúpias dadas a
Rodrigo poderão lhe fazer falta.
Marco recebeu a visita de amigos de Bali e de uma senhorita
conhecida apenas como ‘Dragão de Komodo’, sua namorada indonésia. A
moça também é sentenciada, está na área feminina da prisão. Dona
Carolina já esteve com ele duas vezes, a última no niver, em outubro,
quando deu uma festinha com brigadeiros e refris – depois, tirou uma
soneca na cela do filho.
Dona ‘Carola’ é funcionária pública aposentada, superdescolada. Conquistou a simpatia dos carcereiros de Marco com seu ‘show do milhão’. Foi assim: cansada do assédio deles por dinheiro para cigarros, ela trocou 1 milhão de rúpias em notas de 10 mil (quase R$2,50) e saiu pelo pátio jogando as cédulas para o alto. Guardas e presos lutaram para recolher a mixaria.
Dona ‘Carola’ é funcionária pública aposentada, superdescolada. Conquistou a simpatia dos carcereiros de Marco com seu ‘show do milhão’. Foi assim: cansada do assédio deles por dinheiro para cigarros, ela trocou 1 milhão de rúpias em notas de 10 mil (quase R$2,50) e saiu pelo pátio jogando as cédulas para o alto. Guardas e presos lutaram para recolher a mixaria.
Mais showtime na cadeia: os dois recebem suas visitas íntimas no
sofá da sala do comandante. De vez em quando pinta um ecstasy. E nas
noites quentes rola até um chopinho gelado, cortesia de um chefão
local, preso no mesmo pavilhão. Lá, a balada não para nunca.
A comida é tudo de bom. Marco tem curso de chef na Suíça, dá show na
cozinha. Na semana passada seu cardápio incluía salmão, arroz à
piemontesa, leite achocolatado com castanhas para sobremesa. O
fornecedor dos alimentos é Dênis, um ex-preso tornado amigão. Ele pega
a lista por celular e traz tudo fresco do Hypermart.
Marco: comida "tudo de bom" (Foto: Renan Antunes de Oliveira) |
Quando o amigão está ocupado e a geladeira vazia, Marco chama a
cobrar a mãe no Rio, que liga pra mãe de Rodrigo em Curitiba, que
aciona a Embaixada, que despacha um chofer pra garantir o fome zero da
dupla.
Como Tangerang é uma prisão provisória, nos arredores de Jacarta,
Rodrigo e Marco estão como naquela piada da hora do recreio no inferno.
O secretário do diabo pode anunciar o fim dos privilégios a qualquer
momento. Pior do que o fogo será a transferência deles para o
Carandiruzão de uma remota ilha no Sul, onde serão misturados com 10
mil presos muçulmanos: aí será bom começarem a rezar para Alá.
Sempre otimistas, já têm planos para tentar se refazer lá embaixo.
Rodrigo bola um jeito de demonstrar sua habilidade em pesca submarina,
para presentear peixes ao comandante da nova cadeia e conquistar sua
amizade.
Difícil saber como é que lhe ocorreu uma ideia destas. Mas é fazendo
planos absurdos como esse que eles passam os dias. As baladas da
cadeia, o papo encorajador das famílias, o apoio dos diplomatas e a
expectativa de que suas ações possam ficar impunes dão um tom
surrealista pra todas conversas deles.
Num papo, Rodrigo revela sua crescente admiração pelo companheiro,
já o acha até injustiçado. “Marco teve uma vida que merece ser
filmada”, exalta, contando ter oferecido um roteiro sobre o amigo à
cineasta curitibana Laurinha Dalcanale. “Ele fez coisas
extraordinárias, incríveis.”
O repórter pede um exemplo de tal obra. “Ué, viajou pelo mundo todo,
teve um monte de mulheres, foi nos lugares mais finos, comeu nos
melhores restaurantes, tudo só no glamour, nunca usou uma arma, o cara
é demais.”
Ele pára alguns segundos, reflete um pouco. Sai devagar do
deslumbramento com as vantagens do narcotráfico sobre um emprego comum.
Muda o tom e pede ajuda: “Por favor, brother, quando você for escrever,
dê uma força, passe uma imagem positiva nossa, pra ajudar na campanha”.
Então diga lá o que você vai fazer quando for solto: “Bota aí que eu
quero trabalhar 10 anos pro governo dando palestras pra crianças sobre
a roubada que é o tráfico”.
Ele diz e saboreia o efeito das palavras. Traga seu Marlboro,
acaricia Tigrinha. Parece sério, joga a fumaça pra cima. Quando solta
tudo, o corpo já está se chacoalhando. É que ele não conseguiu conter o
riso.
Vou sair dessa”
Seu último desejo: voar mais uma vez em São Conrado
Marco Archer já esperava ter a pena de morte confirmada no Supremo
Tribunal indonésio, como ocorreu. Sua única esperança agora é um apelo
do Itamaraty ao presidente indonésio por clemência. Isto lhe pouparia a
vida, mas o deixaria para sempre na cadeia. A execução ainda pode
demorar cinco anos.
Quem é Marco? Um carioca, com o apelido chinfrim de Curumim. Ele
cresceu classe média na Ipanema dos ricos. Queria ser um deles. Em 80,
aos 17 anos, foi à Colômbia disputar um campeonato de asa delta. Voltou
campeão, mas mordido pela mosca azul do narcotráfico: sacou como ganhar
dinheiro fácil.
“Alguém no hotel me deu uma caixa de fósforos com cocaína. Depois da
primeira viagem, nunca fiz outra coisa na vida, tenho mais de mil
gols”, exagera.
Ele conta que serviu de mula no Hawai, Nova York, Europa toda. “Fazia viagens rentáveis, ficava meses sem trabalhar.”
Na cadeia, Marco passa horas olhando fotos amassadas que guarda numa
imunda pasta preta. São recuerdos de suas viagens, de belas mulheres,
de carrões e barcos: “Não posso me queixar da vida que levei”.
Orgulha-se: “Nunca declarei imposto de renda, nem tive talão de
cheque, não servi ao Exército. Só votei uma vez na vida. Foi no Collor,
amigo da família”.
Com o dinheiro do tráfico, Curumim manteve apartamentos em três
continentes, abertos pra patota da asa delta, do surf, da vida boa:
“Nunca perguntaram de onde vinha meu dinheiro”.
Marco conta que saiu do Brasil para morar em Bali há 15 anos,
“cansado de ver meu irmão (Sérgio) bater na minha mãe para obter dela
dinheiro pras drogas”. O irmão morreu de overdose em 2000, mas a estas
todas ele tinha tido seu infortúnio: em 1997 caiu da asa, sofreu várias
fraturas.
Dali pra frente sua atividade de mula de drogas diminuiu, as contas
de hospitais cresceram. Ficou quase dois anos sem andar, até conseguir
se recuperar. Hoje anda com dificuldades, com as pernas cheias de pinos
de metal.
Pra decolar outra vez na vida boa ele preparou aquele que seria seu
último golpe, faturar 3 milhões e 500 mil dólares inundando Bali com
cocaína.
Foi ao Peru, pegou 15 quilos com um fornecedor, por uma bagatela,
cerca de 8 mil dólares o quilo (dinheiro que ele obteve com um chefão
americano, com quem dividiria os lucros da operação).
Marco meteu a droga nos tubos de sua asa delta. Saiu de Iquitos, no
Peru, para Manaus, pelos rios da Amazônia. “Eu me misturei com turistas
americanos e nunca fui revistado”, gaba-se. De lá embarcou para
Jacarta: “Tava tudo pronto pra ser a viagem da minha vida”.
No desembarque, mete o equipamento no raio x. A asa de Marco tinha
cinco tubos, três de alumínio e dois de carbono. Este é mais rijo e
impermeável aos raios: “Meu mundo caiu por causa de um guardinha
desgraçado”.
Como foi: “O cara perguntou porque a foto do tubo saía preta. Eu
respondi que era da natureza do carbono. Aí ele puxou um canivete,
bateu no alumínio, fez tim tim, bateu no carbono, fez tom tom”.
O som revelou que o tubo estava carregado. Foi o fim de uma bem-sucedida carreira de 25 anos no narcotráfico.
Marco ainda conseguiu dar um desdobre nos guardas. Enquanto buscavam
as ferramentas, ele se esgueirou para fora do aeroporto, pegou um
prosaico táxi e sumiu – ajudado pelo fato de falar fluentemente a
língua bahasa.
Estava com tudo pronto para escapar no iate de um amigo milionário,
mas aí azar pouco é bobagem. Um passaporte frio que ele tinha foi
queimado por um cúmplice que também fugia da polícia.
Depois de 15 dias pulando de ilha em ilha no arquipélago indonésio –
estava tentando chegar ao Timor do Leste –, passou sua última noite em
liberdade num barraco de pescador, em Lombok.
Acordou cercado por um esquadrão policial, armas apontadas. Suplicou em bahasa, tiveram misericórdia dele.
Na cadeia esperando a execução, procura levar seus dias na
malandragem carioca, na maior paz com os carcereiros, sempre fazendo
piadas, cozinhando-lhes pratos especiais.
Acabou pro Curumim? “Vou fazer tudo para continuar vivo e sair dessa”.
Rodrigo nasceu em Foz do Iguaçu. É neto de latifundiário produtor de
soja, filho de mãe milionária, dona Clarisse. O pai é um médico gaúcho
de Santana do Livramento, Rubens Borges Gularte.
Aos 13, já em Curitiba, Rodrigo começa nas drogas, cheirando
solventes. “Era um garoto maravilhoso, a alegria da família, nunca
levantou a voz”, isso é tudo o que a mãe lembra dele naquela época.
Com 18 é preso fumando baseado no parque Barigui. O pai queria
deixar que ele fosse processado. A mãe não concorda, suborna um
delegado com mil dólares pra soltar o garoto: “Se fossem prender todos
que fumam”, justificou dona Clarisse.
O garoto ganha seu primeiro carro. Bota amigos dentro e sai pela
América Latina como um Che Guevara mauricinho, bebendo e se drogando.
“Fiz cada loucura”, lembra.
Aos 20 Rodrigo era um rapaz de 1,84m, magrão, modos educados, cheio
de namoradas. Teve um breve romance com a professora catarinense Maria
do Rocio, 13 anos mais velha, fazendo Jimmy, hoje com 12, autista.
Raramente via o filho: “Eu não estava preparado para a paternidade”,
admite.
Rodrigo passa a viajar muito e pira total: “Em Marrocos, fumei o
melhor haxixe”. No Peru: “Coca da pura”. Na Holanda: “Ecstasy de
primeira”.
Aos 24, sai bêbado e drogado de uma festa. Bate o carro num táxi,
tenta fugir, bate noutro, abandona tudo e corre pra casa da mãe. Ela dá
uma volta na polícia, chama um médico, interna o garoto.
Na ficha de internação, o médico João Carlos anota: “Mostrou onipotência, estava depressivo”.
Nos anos seguintes a mãe fez de tudo para ele dar certo. Abre para
Rodrigo uma creperia, em Curitiba. Não deu. Uma casa de massas, em
Floripa. Não deu. Mandou pra fazenda. Não deu. Rodrigo vai estudar no
Paraguai. Não deu. Ele se matricula na UFSC. Não deu.
Rodrigo começa no tráfico: “Fiz várias viagens à Europa só para trazer skunk”, confessa.
“Se ele fazia isso, não sei onde metia o dinheiro, porque nunca tinha um tostão”, rebate a mãe.
A prisão: “Os carinhas me deram as pranchas com cocaína dentro.
Embarquei em Curitiba, onde o raio x é ruim, pra desembarcar em
Jacarta”.
O narco também não deu certo.
Agora ele se lamenta: “Só depois soube que os japoneses doaram um raio x potente pros indonésios, eles pegaram a droga”.
Rodrigo filosofa: “Meu erro foi a coca. O skunk é energia positiva, o ecstasy dá um barato legal, mas a cocaína é do mal”.
Um desabafo: “Se a parada tivesse dado certo eu estaria surfando em Bali, cercado de mulheres”.
Seu futuro: esperar as negociações do Itamaraty e tentar reduzir a pena em segunda instância.
Uma novidade: ele está namorando firme. Com uma menina indonésia,
caixa de um supermercado, prima de um condenado. Ela entrou para
visitar o parente, os dois se pegaram no olhar. Ele foi no primo,
soltou um plá, consegui atrair a menina.
Muito fácil condenar quando não é nosso filho. Por outro lado, não sei, realmente, se todas nós, mães, não teremos capacidade para nos tornarmos uma "mãe Clarisse", que parece que, na ânsia de proteger seu filho, errou mais do que acertou.
Filhos são uma caixinha de surpresas, nem sempre agradáveis, mas também não são resultado do ocaso, do destino, do nada. Temos, sim, responsabilidade sobre o que serão, mesmo que tudo o que fizermos dê mais errado do que certo.