Arroz de Palma

Família Cattapreta - Fonte: http://cambuka.blogspot.com.br/2008/10/familias-cambuquirenses.html

Recebi esse trecho do livro Arroz de Palma, de Francisco Azevedo. Agradeço a estimada Ana Paula por tê-lo me enviado e gostaria de compartilhá-lo aqui.



Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema... Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir... Mas a vida... sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite.

O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano, quem diria? Solou, endureceu, murchou antes do tempo.

Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante. Aquele, o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente... Já estão aí? Todos? Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola. Não se envergonhe de chorar.

Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza. Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco. Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa.

Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto: é um verdadeiro desastre. Família é prato extremamente sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido. Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher.

Saber meter a colher é verdadeira arte. Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora errada. O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão.

Não existe Família à Oswaldo Aranha; Família à Rossini, Família à Belle Manière; Família ao Molho Pardo (em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria). Família é afinidade, é à Moda da Casa. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito. Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as que não têm gosto de nada, seria assim um tipo de Família Dieta, que você suporta só para manter a linha.

Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.

Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia. A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança.

Principalmente na cabeça de um velho já meio caduco como eu. O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie.

Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro.
Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete.



A gente sabe muito bem que "família doriana" não existe. Existem algumas que são mais equilibradas, outras, muito disfuncionais.  E também existe a diferença entre ter família e parentes.

Há pessoas que descendem de famílias que, apesar de seus diversos temperos, no final, sempre se harmonizam, às vezes com um uma pitada a mais de pimenta ou com uma pitada a menos de sal, mas se equilibram.

E há quem tenha apenas parentes.

Quando uma criança chega numa família cheia de temperos, ela vai ser mais um condimento que, com o tempo, irá adicionar o seu gosto e odor aos seus demais sabores.

Quando uma criança chega para quem só tem parentes, creio que ela venha, talvez, para trazer um gosto todo especial e encher outras vidas de cheiros, temperos e sabores.  

Foi isso que Davi trouxe para minha vida: um novo cheiro e um sabor deliciosos e talvez uma chance de ter, ao final, uma família bem temperada. 



Comentários
4 Comentários

4 comentários:

  1. Lu, adorei vc ter postado o texto que lhe enviei... melhor ainda com a sua finalização. Davi trouxe luz a sua vida. E açúcar nessa receita maravilhosa que é a família. bjim.

    ResponderExcluir
  2. Com certeza, Ana Paula. Ainda não tinha lido texto tão interessante como esse sobre família.

    Bjs.

    :g

    ResponderExcluir
  3. Ah, os filhos sempre mudam muito a nossa vida e sem dúvida, melhoram o sabor dela, dão novo sentido e Davi veio fazer a diferença!:n

    ResponderExcluir
  4. É, Neth, e eu acho que muito desse tempero quem equilibra somos nós, não é?

    Bjs.

    :g

    ResponderExcluir

Obrigada por seu comentário!