Compensações e Satisfações

Quem nunca ouviu ou mesmo já pronunciou a célebre frase "Eu vou dar tudo o que não tive ao meu filho?"  E aí, a pessoa sai desarvorada para atender aos mínimos caprichos de sua criança e, ao invés de criar uma pessoa, acaba alimentando um monstrinho que irá crescer e achar que o mundo gira em torno e em função do seu umbigo.  Para "caprichos" entenda-se coisas materiais, talvez na grande maioria das vezes.

Acredito que esse pensamento saia da mente de pessoas que não somente não tiveram TUDO o que quiseram, mas também não se contentaram com o que lhes foi proporcionado, o que lhes causou uma enorme frustração.  Uma vez que a vida lhes dá filhos, então essa pessoa vê uma grande oportunidade de realizar-se na sua criança.  Ei, então, a grande chance de compensar as suas frustrações.  Uma bicicleta, um par de tênis, uma viagem, enfim, coisas que podemos almejar ter quando crianças e que, por razões diversas não pudemos alcançar e que hoje nos esforçamos até sangrar para que nossos filhos tenham e não venham a se frustrar.

A gente sabe que não dá para ter tudo, até porque muito do que quisemos no passado ou queremos hoje pode não ser mais o nosso objeto de desejo algum tempo depois.  Por outro lado, focar nas nossas frustrações infantis e compensá-las nos filhos não vai resolver o problema, já que as necessidades não somente mudam como são totalmente diferentes.  Infelizmente, no afã de agradarmos mais do que educarmos, criamos necessidades totalmente fora de objetivos.  Damos por dar, tão somente, e associamos a felicidade da criança à condição de posse, principamente de bens materiais. E por que estou falando tudo isso, talvez sem muito nexo? Vamos lá.

Uma vez que a avó do Davi teve um princípio de isquemia, tive que voltar a levá-lo para creche, dessa vez bem cedo, de forma a não atrapalhar a minha chegada ao trabalho.  O pai fica responsável em buscá-lo, coisa que raramente eu faço e quando isso acontece eu fico numa alegria que nem consigo descrever.  Ontem, por exemplo, foi um desses raros dias em que tive essa oportunidade.

Fiquei esperando que ele acabesse de jantar - e ele nem sabia, claro, que eu é que iria pegá-lo - e observando as demais crianças que começavam a encontrar seus responsáveis para irem para casa. A alegria que elas irradiavam em ver seus pais, avós ou tias é uma coisa mágica. E isso não é privilégio daquelas que já sabem andar ou correr: até os bebês se transformam quando percebem que suas mães chegaram.

Esse momento de buscar a criança na creche é, a meu ver, uma das coisas mais importantes que se pode viver nessa fase da infância.  É uma das formas de se passar segurança a elas, de mostrar que não iremos abandoná-las ou esquecê-las.   Eu não tive ou sequer me lembro de ter tido isso, pois como entrei na escola com quase 7 anos eu já ia e voltava sozinha.  Depois, fui estudar na mesma escola onde minha mãe trabalhava e, então, não vivi esse momento "mágico".

A alegria que Davi sentiu ao me ver no portão compensa todas as minhas frustações, porque quando posso dou para ele esse "tudo o que não tive", que é exatamente esse momento de reencontro.  Como eu gostaria de poder buscá-lo todos os dias, mas.... não dá para ter tudo, não é?  Mas é na simplicade desse momento considerado de rotina para tanta gente que eu proporciono para ele e principalmente para mim uma satisfação que bem material algum é capaz de suprir. 

Talvez essa percepção venha de quem não tem a oportunidade de fazer isso todos os dias.  Assim como eu, existem várias mães e pais que perdem muito com essa vida moderna e atribulada, sem a chance de buscar sua criança na escola ou de assistir a uma apresentação ou mesmo a alguma atividade de seus pequenos.  

Claro que muitas vezes me sinto frustrada por não ter condições de dar para ele brinquedos e roupas cara,  viagens ou outros tipos de bens materiais, porque... não dá para DAR tudo, não é?  Ou bem a gente proporciona uma boa escola ou gasta dinheiro com coisas que podem ser obtidas ao longo da vida.  Além disso, com meus pés fincados no chão, não pretendo criar Davi numa atmosfera em que ele tenha que ter todos os seus caprichos atendidos só porque eu, lá na minha distante infância também não fui atendida nos meus.  E, vamos combinar, a vida e o mundo não serão tão bonzinhos com ele como eu e seu pai somos.

Voltamos a pé para casa e enquanto caminhávamos ele foi perguntando "o que é isso" a qualquer coisa que aparecia à sua frente e eu respondia: "é um muro, é a árvore, é o carro...".  Até que em dado momento, do nada, ele se agarra nas minhas pernas e diz: "Eu te amo, mamãe."

Pronto, ganhei o dia!

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